OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO BANCÁRIO - 1ª PARTE
O
Direito Bancário abrange normas e princípios jurídicos conexionados com a
banca.
Por
seu turno, “banca”, “bancos” ou “banqueiros” têm um alcance envolvente: abarcam
o universo relativo às instituições financeiras bancárias (IFBs), às instituições
financeiras não bancárias (IFNBs) e, em geral, à actividade desenvolvida por
essas entidades, entre si e com os seus clientes.
Em
termos formais, o Direito bancário ocupa-se da organização financeira, das IFBs
e IFNBs e da actividade desenvolvida por essas entidades. Em termos funcionais,
o Direito bancário é o Direito do dinheiro.
As
IFBs e as IFNBs submetem-se a regras de densidade crescente. Fala-se, a tal
propósito, em sistema financeiro. O Direito bancário regula e estuda duas
grandes áreas:
-
a da organização do sistema financeiro; e
-
a da actividade das IFBs e IFNBs.
A
primeira área debruça-se sobre os bancos e demais instituições, as condições de
acesso à sua actividade, a regulação e/ou supervisão, a fiscalização e as
diversas regras conexas. Este é o denominado Direito bancário institucional, ou, simplificadamente, o Direito da
organização do sistema financeiro.
O
Direito bancário institucional em Angola, no presente momento, corresponde ao
regime do Banco Nacional de Angola (BNA),
ao das IFBs e IFNB (a Lei de Bases das Instituições Financeiras) e,
ainda, toda a legislação complementar, sendo possível alargar o Direito
bancário institucional
a certas áreas circundantes, bem como incluir, nele, algumas regras de produção
internacional.
Contudo,
este é fortemente delimitado pelo seu objecto e pela especificidade das suas
fontes: o Direito público (tendencialmente administrativo e, logo, ligado à
função e a actuação financeira do Estado); o Direito das Sociedades Comerciais
(regras que regem as IFBs IFNBs); o
Direito Privado (aqui se manifesta em questões como a competência técnica,
relações com os clientes e dever de informação); e Direitos instrumentais e
acessórios (como regras de registo e regras contra-ordenacionais).
A
segunda área prende-se às relações interbancárias e às relações que se
estabelecem entre a banca e os particulares. Este é o denominado Direito bancário material, ou,
simplificadamente, o Direito da actividade bancária.
Aqui,
encontramos a profunda razão de ser do Direito bancário, que reside na
especialidade do dinheiro. Hoje, tal como opera, o dinheiro requer uma
intervenção quase permanente da banca, podendo, assim, falar-se em
intermediação financeira.
Assim
se entende que o Direito bancário material acabe por dar corpo a situações que,
em regra, têm um banqueiro num dos seus pólos ou que, pelo menos, só podem
considerar-se completas com a intervenção da banca. Entende-se, também, com
esta dupla especificidade objectiva (dinheiro) e subjectiva (a banca), que o
Direito bancário material é, à partida, um Direito contratual.
Importa, então, perceber
quais os princípios que regem este ramo da ciência jurídica e,
consequentemente, a prática bancária, que, por se tratar do manuseio
profissional do dinheiro - que se firmou nas sociedades humanas como bitola
geral do valor das coisas e como meio de troca universal - permeia diferentes
aspectos da actividade social humana como esta hoje se configura.
OS PRINCÍPIOS NO DIREITO
Os
princípios correspondem a proposições que resultam de valorações operadas por
diversas normas. Estes distinguem-se das normas por não assentarem,
logicamente, numa previsão e numa estatuição. Valem por si, independentemente de
qualquer concretização. E dado o seu papel, eles inscrevem-se no núcleo duro
actuante do sistema – ou subsistema – em jogo. Os princípios, ao contrário das
normas, podem entrar em contradição entre si.
Os
princípios têm, ainda, diversos papéis:
- Um papel programático;
- Um papel regulativo.
Os
princípios permitem ordenar problemas, soluções e normas. Têm, deste modo, um
papel no sistema externo ou de exposição. Mas logo aí assumem uma relevância
substantiva, uma vez que a ordenação que se obtenha não seja iníqua para as
soluções finais.
Os
princípios podem, ainda, assumir um papel programático, onde constituem uma
base sobre a qual o legislador poderá, depois, erguer novas normas.
Finalmente,
os princípios podem ser chamados a solucionar directamente casos concretos:
seja concatenando normas, seja dando corpo a conceitos indeterminados, seja
integrando lacunas.
Os
princípios resultam da elaboração científica. Ao contrário das normas, que se
obtêm pela interpretação, os princípios exigem toda uma tarefa alargada de
estudo e de arrumação jurídico-científica, por vezes criadora.
A
elaboração de princípios constitui uma tarefa indeclinável do estudo de
qualquer disciplina jurídica.
PRINCÍPIOS GERAIS E PRINCÍPIOS
BANCÁRIOS: PAPEL E LIMITES
No
campo bancário, têm aplicação os princípios gerais do Direito privado (tutela
da pessoa, autonomia privada, boa-fé, responsabilidade civil e propriedade e
sua transmissão) e do Direito público, nas áreas onde este aflui (legalidade,
igualdade, imparcialidade, proporcionalidade e boa-fé).
Têm
ainda, uma aplicação tendencial, os chamados princípios dos actos comerciais
(internacionalidade, simplicidade e rapidez, clareza jurídica, publicidade e
tutela da confiança e onerosidade).
No
entanto, analisaremos, aqui, os princípios que têm um conteúdo materialmente
bancário.
Estes
princípios, de uma forma geral, referem-se as realidades do manuseio
profissional do dinheiro. Têm exigências que transparecem em múltiplos passos
dos regimes em jogo. Caberá ao intérprete-aplicador concretizá-los, nos
diversos problemas.
Os
princípios bancários têm uma efectiva consistência, aflorando em diversos
institutos e, mais do que isso, na própria concretização, pelos operadores, das
situações jurídicas bancárias.
Eles
permitem identificar aspectos relevantes e explicar saídas que, aparentemente,
não teriam base jurídico-positiva. Eles dão, ainda, hipóteses sistematizadoras
de conteúdo material e permitem, em múltiplas ocasiões, encontrar e justificar
soluções concretas.
Dito
isto, iremos então, avançar para os princípios que têm um conteúdo
materialmente bancário e que, consequentemente, enformam este ramo do Direito e
influenciam a prática bancária.
O PRINCÍPIO DA SIMPLICIDADE
No
campo privado, a ideia de simplicidade impôs-se, primeiro, no Direito
Comercial, por oposição as exigências de formalidades e de solenidades,
requeridas pelo Direito Civil. E este ideal de simplicidade, que deve ser
perseguido, de modo permanente pelo legislador, é de essencial importância,
pois, como nos mostra a vida prática, as exigências de todo tipo, como
controlos administrativos, fiscais, de registo, de notários, de inscrição de
firmas, de segurança social e de trabalho, acabam por constituir verdadeiros
calvários burocráticos.
É
possível observar esta simplicidade em algumas das normas que emanam do Código
Comercial:
-
Liberdade de escrituração, salvas as limitações legais (art. 30.º);
-
Liberdade de língua (art. 96.º);
-
Liberdade de forma do mandato geral (art. 249.º);
-
Possibilidade de provar o empréstimo mercantil por qualquer modo (art. 396.º);
-
Possibilidade de celebrar penhor com entrega meramente simbólica da coisa
empenhada (art. 398.º).
No Direito bancário, as exigências de simplicidade seriam acentuadas e,
sobretudo, efectivas. Tratando-se, para mais, de dinheiro: fica claro que
qualquer diligência dispensável representa um custo de transacção totalmente
injustificado.
A
actuação bancária tende a reduzir as formalidades ao mínimo exigível para a
consubstanciação e ulterior prova dos actos. Esta exigência tem sido
prosseguida com recurso aos seguintes três subprincípios: consensualismo e
reformalização normalizada; uso da informática; e unilateralidade.
Mas
antes de se proceder à análise desses subprincípios, cabe dar referir que o
Direito Bancário lida, predominantemente, com vínculos obrigacionais. Fica,
assim, dispensada toda uma área destinada a assegurar a publicidade dos actos
junto de terceiros, publicidade essa que é especialmente requerida no domínio
dos direitos reais e no das sociedades comerciais.
O
bom uso do Direito das Obrigações constitui uma base excelente para a
simplificação bancária.
Analisando
agora os subprincípios acima referidos:
Contudo, é necessário atentar que, a partir de uma
certa margem, o consensualismo pode jogar contra a simplificação. Por exemplo,
a admissão de negócios puramente verbais redunda em, mais tarde, se assistir a
intermináveis discussões sobre o seu conteúdo.
E o próprio acto de manifestar oralmente a vontade
própria, mercê dos circunlóquios e das palavras de circunstância que sempre
ocorrem, pode implicar complicações e perdas de tempo.
Por isso, no Direito Bancário, a simplificação formal
nunca vai ao ponto de dispensar a forma escrita ou equivalente. Negócios orais
ou manifestações tácitas de vontade acabam por não ter lugar no manuseio
profissional do dinheiro ou de outros valores.
Estas exigências de simplicidade acabam por induzir
uma reformalização normalizada dos negócios jurídicos, o que também resulta
numa ponte para a rapidez, pois, os particulares interessados são solicitados a
manifestar a sua vontade através do preenchimento de formulários, reduzidos,
muitas vezes, à simples aposição de cruzes em quadrículas, com uma assinatura
formal.
A vontade pode ainda manifestar-se por via
informática.
b) O uso da informática: a simplificação
bancária deve muito à informática e às tecnologias de informação. Aliás,
refira-se que também a crescente rapidez nos processos ou operações bancárias e
o próprio progresso da banca nas últimas décadas, devem-se, muito, a estes
factores. Verifica-se mesmo, por vezes, que contratos ajustados
por escrito só se tornam eficazes depois de introduzidos no sistema da
instituição financeira, de modo a sofrerem o competente tratamento informático.
Em traços largos, podemos considerar que a informática
simplifica:
- a contratação e a prática de diversos actos
bancários;
- a execução de deveres de informação e de
comunicação, designadamente quanto às chamadas obrigações de caixa;
- a manutenção da contabilidade e o exercício da
supervisão.
Os deveres de informação, incluindo a remessa de
extractos, de avisos de débito ou de pagamento e da concretização de operações,
são, hoje, na generalidade das realidades, efectivados sem intervenção humana e
por via informática. Trata-se de um máximo de simplificação. No limite,
diversas operações vão sendo efectuadas por via inteiramente automática.
Os meios informáticos podem, também, asseguras a
contabilidade (incluindo contas-correntes bancárias), a posições das diversas
operações, a eventual verificação de moras ou de descobertos e, a partir daí,
os riscos, as previsões e as reservas são asseguradas por meios informáticos de
potência crescente.
A simplicidade assim conquistada diminui as hipóteses
de erro, baixa os custos, populariza a banca e liberta forças humanas para
tarefas de contacto e de avaliação não informatizáveis, pelo menos até ao
presente momento.
c) A unilateralidade: no Direito bancário, os actos apresentam-se, muitas vezes,
sob a forma de simples cartas assinadas e não de contratos formais, uma regra
que suscita diversas dúvidas, que cumpre esclarecer.
A unilateralidade dos actos bancários pode ser real ou
aparente.
Será real nas hipóteses de surgirem vinculações pura e
simplesmente unilaterais; será aparente nos casos em que tenha havido um acordo
de vontades (um contrato), depois formalizado num texto assinado, apenas, por
um dos intervenientes.
É possível comprovar este último aspecto com recurso ao art.410.º n.º 2 do Código Civil (C.C): no contrato-promessa monovinculante exige-se, apenas, a assinatura da parte que se vincula. O instrumento em jogo só aparentemente é unilateral, trata-se, na realidade, de um verdadeiro contrato, derivado de um encontro de vontades, e nominado, pela própria lei, como contrato-promessa, aqui, unilateral. Na mesma linha, o art. 1143.º C.C, determina que o mútuo de valor superior a dez mil escudos, mas inferior a vinte mil escudos (convertendo directamente, isto traduz-se num valor superior a 16.096, 64 kz, mas inferior a 32.193, 29 kz), só seja válido se for celebrado por documento assinado pelo mutuário. O mútuo não deixará de ser contratual, embora, formalmente, surja apenas um interveniente.
No Direito Bancário, através da forma voluntária
ou da forma convencional, as partes recorrem, muitas vezes, a um documento
(normalmente uma carta), assinado, apenas, por uma delas (em regra, pelo
cliente) para exprimir um acordo de vontades a que ambas chegaram. A “cartas”
assinadas pelo cliente são negociadas previamente com o banqueiro; podem,
mesmo, ser pura e simplesmente oferecidas, pelo banqueiro, para assinatura pelo
cliente ou, até, assinadas em branco, mediante um acordo lateral quanto ao seu
preenchimento. Nestas duas últimas hipóteses, como bem se compreende, há um
suplemento de exigência da boa-fé, fonte de deveres de lealdade e de informação.
Em suma, sempre que a lei se contente com uma assinatura ou, por maioria de razão, quando ela não exija qualquer forma, as partes podem contratar na base de documentos unilaterais.
Ainda, no Direito Bancário, é possível proclamar uma
tendência, determinada pelas necessidades de simplicidade, de predomínio de
instrumentos unilaterais, maxime: de
cartas.
Isso é possível e totalmente eficaz por uma de três vias:
- ou por se tratar de verdadeiros contratos, apenas
formalizados (como é possível, pela consensualidade) através de um escrito
assinado por um interveniente;
- ou por se consubstanciar um acto unilateral
claramente previsto na lei;
- ou, finalmente, por interpretação restritiva do art.
457.º C.C.
Assim,
não é possível acompanhar qualquer jurisprudência limitativa, que considere
inválida, como contrato, a declaração unilateral de uma instituição financeira
bancária destinada a garantir a responsabilidade de outrem, perante respectivos
credores, prosseguindo, depois, que ela seria inválida, também e por falta de
base legal, como negócio unilateral. Nesse caso, há, seguramente, um contrato,
pois nenhum banco emite uma garantia sem um prévio acordo com o cliente; além
disso, a figura sempre seria utilizável como negócio unilateral. Nem seria,
pois, necessário recordar que venire
contra factum proprium nulli concidetur.
CONTINUARÁ NUMA PRÓXIMA ENTRADA.
Elaborado por: Dr. Elvis Barros
BIBLIOGRAFIA
CONTINUARÁ NUMA PRÓXIMA ENTRADA.
Elaborado por: Dr. Elvis Barros
BIBLIOGRAFIA
CORDEIRO,
António Menezes - Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 5ª ed., 2015.
FERREIRA, António Pedro A., Direito
Bancário, Lisboa, Quid Juris, 2ª ed., 2009.
Comentários
Enviar um comentário