AS GARANTIAS E A BANCA- 1ª PARTE





















  CARACTERIZAÇÃO

A ciência do Direito privilegia, hoje, uma abordagem às garantias através das ideias de incerteza, de insegurança e de risco. As situações humanas envolvem, nas suas projecções futuras, parâmetros complexos. Elas dependem da evolução de variáveis incontroláveis: psicológicas, individuais, sociais, económicas, políticas e ambientais, entre outras. No entanto, tantas incógnitas tornam impossível uma precisão sectorial 100% segura, sendo que apenas as grandes linhas podem ser prefiguradas e, ainda assim, com enganos por todos reconhecidos, após a sua ocorrência.
Logo, estando o Direito Bancário material marcado pela concessão de crédito (tradicionalmente a sua actividade nuclear), é normal, mesmo necessário, para a protecção dos bancos, dos depositantes e do sistema financeiro, que esse crédito seja concedido contra a prestação de garantias. 
Aliás, as garantias são prestadas nas próprias relações interbancárias, uma vez que estes se financiam muito frequentemente junto de outros bancos.
Por isso, para as IFBs, as garantias estão no centro da sua actividade.
Tanto porque são eles que beneficiam delas, como porque a sua prestação, contra o pagamento de uma contrapartida pecuniária (daí a distinção entre garantias bancárias activas, que são aquelas de que o banco é beneficiário, também chamadas garantias à banca, e as garantias bancárias passivas, aquelas que o banco presta, também designadas como garantias emitidas pela banca ou pelo banqueiro) faz parte dos serviços que prestam.
Conclui-se, então, que a prestação de garantias constitui um esquema desenhado para lidar com o risco. 



GARANTIAS E A BANCA

O Direito bancário, como é o seu timbre, avança muito rapidamente com recurso às categorias civis. Apenas intervém quando se imponham especialidades.
Algumas garantias foram ocorrendo justamente para acudir às necessidades do comércio bancário. São propriamente bancárias: pense-se nos acordos de garantia financeira ou nas garantias bancárias. Outras correspondem a especializações de garantias comuns: o penhor financeiro, por exemplo.
No campo bancário, contrapomos, como acabamos de ver, garantias à banca a garantias emitidas pelo próprio banqueiro. Será uma classificação.

Interessa, então, apontar os grandes vectores que animam, hoje, as garantias, no plano da banca:

1- A passagem do centro de gravidade das garantias reais para as pessoais (embora, entre nós, ainda não seja exactamente assim): à partida, a garantia máxima, era a hipoteca, assente sobre a terra; no entanto, a erosão do valor dos imóveis e a multiplicação de retenções e de privilégios imobiliários, dobrada pela morosidade dos processos executivos, veio retirar-lhe operacionalidade; as garantias pessoais, pelo contrário, emitidas por entidades idóneas, são de funcionamento seguro e imediato;

2- O alargamento do universo das garantias, através da disponibilidade contratual da função dos vários direitos: pense-se na alienação fiduciária em garantia;

3- A ampliação do objecto das garantias: figuras como o penhor, que à partida requeriam uma coisa móvel, são hoje possíveis sobre créditos, sobre direitos futuros e sobre universalidades de conteúdo variável;

4- A mobiliarização: apuram-se garantias que podem ser colocadas no mercado mobiliário;

5- A internacionalização: apresentam-se novas figuras de garantia, de prática internacional e de raiz anglo-saxónica.

Refira-se que, o zelo dos funcionários bancários leva, por vezes, a garantismo demencial: num mesmo contrato, o banqueiro-financiador obtém, como garantia, a propriedade do bem financiado, uma livrança em branco subscrita pelo devedor e o aval dos seus sócios-gerentes; além disso, o contrato prevê cláusulas penais muito elevadas, regras de perda do benefício do prazo em situações de mora e poderes de debitar os valores em jogo noutras contas do devedor ou de terceiros. No limite, o Direito intervém, através do regime das cláusulas gerais dos contratos. Mas pode-se, ex bona fide, ir mais longe, mercê do desequilíbrio da situação. 

Outra problemática, centra-se na questão da captura do património do devedor pelo banqueiro, em detrimento dos demais credores. Detentor do poder económico e do know how financeiro, o banqueiro não tem dificuldade em aspirar, aos poucos ou em bloco, todo o património realizável do devedor. Com recurso a hipotecas, penhores, a cativos em conta, a livranças e a avales, cria-se, com facilidade, uma situação na qual, havendo insolvência, os credores comuns pouco ou nada tenham a receber. Nesse domínio, faz-se necessário descortinar soluções que, sem destruir o crédito, obtenham resultados mais equilibrados.

Finalmente, o Direito intervém para moderar garantias dadas em favor de terceiros e garantias desmesuradas, que escapam ao controlo do garante. No primeiro caso, sobressai a situação de garantias passadas por sociedades: o art. 6º/3 da Lei das Sociedades Comerciais considera-as contrárias aos fins da sociedade (e, como tal, nulas), salvo se existir justificado interesse próprio da sociedade garante ou se tratar de sociedades em relação de domínio ou de grupo. Haveria que intervir, igualmente, nas garantias prestadas por pessoas singulares e que podem, no terreno, funcionar como autêntica liberalidade, em favor do beneficiário. No segundo, temos situações como as fianças de conteúdo indeterminável e as fianças omnibus, bem como as fianças exigidas a jovens ou a pessoas sem meios, como mera forma de pressão e que, em muitas realidades, têm vindo a ser condenadas por contrariedade aos bons costumes.




MODALIDADES

 1) Penhor Bancário Comum: o património funciona como garantia geral das obrigações. 
Aquando da contracção de uma dívida, o credor irá, naturalmente, ponderar se o património do devedor constitui garantia suficiente para o seu direito. Quando a resposta seja negativa, o credor pretenderá um suplemento de garantias. E mesmo quando seja positiva, poderá sempre suceder que, no momento da execução patrimonial, por incumprimento e mercê de uma acumulação de dívidas subsequentes, o património do devedor seja, já, insuficiente.
As necessidades do sistema levam a que, para além da garantia geral, sejam estabelecidos esquemas suplementares, que são genericamente designados de garantias especiais.
Estas garantias especiais podem ser ordenadas de acordo com as mais diversas classificações. Elas serão garantias reais ou pessoais consoante impliquem, com fins de garantia, coisas corpóreas ou simples prestações de terceiros.
Podemos, ainda, distinguir garantias típicas e garantias atípicas, segundo elas disponham, ou não, de regulamentação legal.

Aliás, o regime comum do penhor, tal como consta do Código Civil serve, actualmente, na prática, como referência geral. Na verdade, o penhor é considerado uma "actividade industrial", estando, no essencial, sujeito a regimes especiais. Pelo menos, o art. 668ª do C.C aponta para tanto. Assim, o figurino do penhor pode ser usado, pelas partes, para confeccionar garantias atípicas, particularmente actuantes no campo bancário. Assim nos surgem o que se pode designar de penhores bancários especiais, que abordaremos em seguida.


 2) Penhores Bancários Especiais:


     a) Penhor de Conta Bancária:
trata-se de uma figura corrente, social, jurídica e economicamente estabilizada e que se pode caracterizar nos pontos seguintes:

 i)- Determinados depósitos bancários ficam afectos ao pagamento de certas dívidas;

ii)- Os depositantes obrigam-se a não os movimentar, enquanto subsistirem as dívidas garantidas;


iii)- Os depositantes autorizam o Banco a debitar, na conta dos depósitos em causa, as dívidas garantidas vencidas.


O regime sumariado corresponde a uma garantia própria do Direito bancário, a que poderíamos chamar "penhor de conta bancária".

Tal penhor, pela própria especificidade do seu objecto, distingue-se do penhor comum:

i) Ele não recai sobre uma coisa corpórea ou a ela assimilável: o dinheiro depositado é propriedade do banco: antes respeita aos créditos do garante sobre o Banco;

ii) Ele postula um regime particular de funcionamento: o débito das importâncias garantidas na conta do declarante;

iii) Finalmente, ele obriga o garante a manter a conta provisionada: é uma garantia pessoal e não real.

O penhor de conta bancária reporta-se, de facto, ao saldo desta.

Não se trata de um verdadeiro penhor, no sentido de um direito real de garantia. Trata-se, antes, de uma garantia pessoal dobrada pela autorização de debitar, na conta garante, determinadas importâncias.
Esta solução tem, implícita, uma cláusula de principal pagador, perfeitamente viável, perante o art.640º, a) do C.C. Além disso, limita a responsabilidade do garante ao montante da conta em jogo: não é, pois, uma garantia de conteúdo indeterminável. 


b) Penhor de Seguros: a prática bancária actual aceita, como garantia, a posição jurídica do beneficiário de um seguro. 
Em princípio funcionarão as regras próprias do penhor de créditos, com as alterações que as partes tenham introduzido, ao abrigo da autonomia privada. Daí falar-se em "penhor de seguros". Teremos ainda de ultrapassar o problema representado pelo penhor de créditos (meramente) futuros.
Normalmente, o banqueiro aceitará com mais facilidade o "seguro certo", isto é: o valor representado pela posição detida pelo beneficiário, quando a mesma traduza um simples mecanismo de capitalização. Nessa altura, o "penhor de seguros" equivale a um penhor de qualquer valor financeiro ou mobiliário.

Caberá às partes tomar precauções para que se não caia sob a proibição dos pactos comissórios.


3) Acordos de Garantia Financeira: 


Os acordos de garantia financeira correspondem a uma criação do Direito bancário europeu. Resultam da Directriz n.º 2002/47/CE, de 6 de Junho que foi posteriormente modificada pela Directriz n.º 2009/44/CE, de 6 de Maio.
Por questões de proximidade entre os ordenamentos, abordaremos, aqui, os acordos de garantia financeira, seguindo a perspectiva com que estes foram transpostos para o ordenamento jurídico português, nomeadamente, pelo Decreto-Lei n.º 105/2004, de 8 de Maio, que foi posteriormente alterado pelos Decretos-Lei n.º 85/2011, de 8 de maio e n.º 192/2012, de 23 de Agosto.
O Decreto-Lei n.º 105/2004, de certo modo preso à lógica da Directriz que veio transpor, não fornece uma definição directa de acordos de garantia financeira.
Remete, no art. 2.º/1, para os contratos que preencham os requisitos previstos nos arts. 3.º a 7.º.

Na base destes preceitos, para obter a noção de garantia financeira, seria necessário partir:

i)- Dos Sujeitos (3.º): os contratos de garantia financeira (cgfs) estão submetidos à autonomia privada. São, pois, verdadeiros contratos. Todavia, eles apenas são acessíveis a determinados sujeitos de Direito.
O D.L n.º 105/2004 prevê seis categorias de entidades que podem celebrar cgfs (3.º/1):

a) Entidades públicas, incluindo os organismos responsáveis pela gestão da dívida pública e os autorizados a deter contas de clientes: esta fórmula (que se apresenta aqui simplificada) e que retoma a Directriz, é talvez extensa em demasia, uma vez que, no ordenamento poruguês, a noção "entidade pública" já engloba o resto;

b) Banco de Portugal, outros bancos centrais, BCE, FMI, Banco de Pagamentos Internacionais, bancos multilaterais de desenvolvimento e BEI: também retomada da directriz, esta fórmula pode ser reconduzida a IFBs internacionais;

c) Instituições sujeitas a supervisão prudencial, incluindo instituições de crédito (IFB), empresas de investimento, instituições financeiras, empresas de seguros, organismos de investimento colectivo e entidades gestoras de organismos de investimento colectivo: todas estas figuras são precisadas com o maior cuidado pelo legislador, que remete para os respectivos diplomas legais;

d) Uma contraparte central, um agente de liquidação ou câmara de compensação e instituições similares que operem nos mercados de futuros e opções, nos mercados de instrumentos financeiros derivados não abrangidos pela referida legislação e nos mercados de natureza monetária;


e) Uma pessoa colectiva que actue na qualidade de fiduciário ou representante de uma ou mais pessoas, incluindo quaisquer detentores de obrigações ou outras formas de títulos de dívida;


f) Pessoas colectivas, desde que a outra parte pertença a alguma das categorias a) a d).



Os cgfs terão de ser celebrados:

1- Entre as entidades referidas nos pontos a) a d);


2- Entre as entidades referidas nos pontos a) a d) e as referidas no ponto e);


3- Entre as entidades referidas nos pontos a) a d) e as referidas no ponto f).



ii)- Das Obrigações Garantidas (4.º): como segundo elemento da noção de garantia financeira, surge a obrigação financeira garantida, lembrando que a garantia financeira é acessória de uma obrigação: a principal. Esta afectará diversos aspectos da garantia, nos termos do princípio da acessoriedade.
O art. 4.º contém uma noção operacional de obrigações financeiras garantidas: são quaisquer obrigações abrangidas por um cgfs cuja prestação consista numa liquidação em numerário ou na entrega de instrumentos financeiros.

O art. 2.º/1, f) da Directriz n.º 2002/47/CE dá a seguinte fórmula para o que designa como "obrigações financeiras cobertas" : as obrigações asseguradas por um acordo de garantia financeira e que dêem direito a uma liquidação em numerário e/ou à entrega de instrumentos financeiros. 

Por seu turno, as alíneas d) e e) dão-nos novas definições úteis:

1- Numerário: dinheiro creditado numa conta, em qualquer moeda, ou créditos similares que confiram o direito à restituição de dinheiro, tais como depósitos no mercado monetário;

2- Instrumentos Financeiros: acções, obrigações e outros valores mobiliários negociáveis no mercado de capitais.

Deste modo, podemos considerar que a obrigação garantida é:


1- Financeira: apresenta-se como credor;


2- Implica uma prestação em numerário ou em instrumentos financeiros;


3- Deve estar assegurada por garantia financeira.

  
Aqui, estamos perante obrigações do tipo bancário ou atinentes ao mercado de capitais.


iii)- Do Objecto (5.º):
uma garantia especial pressupõe sempre um objecto específico, isto é, uma realidade patrimonial que, mercê da garantia, vai ficar afecta à satisfação de um crédito. Essa realidade constitui, precisamente, o objecto da garantia.

No caso em apreço, as garantias financeiras devem ter por objecto:


a) Numerário: este pode ser definido como o saldo disponível de uma conta bancária ou como créditos similares que confiram direito à restituição de dinheiro;

b) Instrumentos Financeiros: estes são valores mobiliários, instrumentos monetários e créditos ou direitos relativos a quaisquer dos instrumentos referidos;

O objecto das garantias financeiras cifra-se, ainda, em realidades líquidas ou liquidáveis, com valor objectivo de mercado e de rápida circulação. O objecto das garantias é, assim, específico, justificando o enérgico regime que as subjaz.


Em termos de classificação de coisas, verificamos que o objecto das garantias financeiras é: uma coisa móvel; corpórea e incorpórea (poderá consistir num crédito, neste caso); e, eventualmente, uma coisa representativa.



iv) Traços do Regime:

a) O Desapossamento (6.º): a ocorrência de uma garantia financeira dependerá, necessária e naturalmente, de um acordo das partes a tanto dirigido.
Além disso, a garantia financeira exige, como vimos: determinados sujeitos, um certo tipo de obrigação garantida e um objecto específico.
A garantia financeira requer, ainda, um conteúdo mínimo, isto é, um clausulado com uma feição dotada de especiais características.
A exigência do desapossamento é o primeiro ponto desse conteúdo mínimo, pois, segundo o art. 6.º/1 do D.L n.º 105/2004, a garantia financeira opera quando o seu objecto tenha sido efectivamente prestado. Contudo, atente-se ao facto de que a expressão desapossamento, aqui, não pode ser tomada em termos rigorosamente técnicos, uma vez que não estão em causa, necessariamente, coisas corpóreas.
Na garantia financeira, os efeitos resultantes da regra prevista no penhor civil (consciencializar o dono da coisa garante da seriedade do acto praticado; permitir uma eficácia erga omnes; facilitar a execução da coisa), actuam de modo reforçado.
E a especialidade do objecto (créditos ou realidades de base escritural) obriga a prever um leque largo de meios de desapossamento, enunciados pelo art. 6.º/2 do D.L n.º 105/2004, completado com um n.º 3 pelo D.L n.º 192/2012, de 23 de Agosto. 

Essencialmente, o objecto da garantia deverá ficar no controlo do beneficiário da garantia.



b) A Prova (7.º): de uma maneira resumida e algo simplificada, para efeitos de prova, o cgfs deve ser celebrado por escrito ou equivalente e o desapossamento deve poder ser provado também por escrito ou equivalente.
Cabe, então, elaborar um pouco mais: o artigo 7.º/1 não dispõe directamente a sujeição à forma escrita, antes, numa primeira observação, parece colocar uma forma ad probationem de acordo com a qual, mesmo na falta de forma escrita, o contrato poderia ser provado por confissão escrita.
Tal abordagem, que de certa forma ressuscita uma forma quase suprimida pelo Direito(s) moderno(s), assume-se como algo bizarra. Para mais, admitir cgfs não escritos, mas cuja prova fosse escrita, poderia abrir as portas a dúvidas em relação ao consenso das partes e sobre a interpretação das cláusulas estipuladas.
Seguindo de perto Menezes Cordeiro, faz-se aqui uma ligeira interpretação correctiva: a garantia financeira deverá ser prestada por escrito ou por via equivalente (declaração electrónica, conversa gravada, etc).
E para além do contrato em si, há que operar, também, o desapossamento que, por sua vez, terá de ser objecto de prova. Tal prova deverá, então, ser feita por escrito ou equivalente e isso de modo a que o objecto seja devidamente identificado. O art. 4.º, a) e b), especifica o que entende por suficiente para identificar o objecto das garantias financeiras, sobre numerário e sobre valores mobiliários escriturais, respectivamente.

As garantias financeiras (recordando que estamos ainda no âmbito dos acordos de garantia financeira) abrangem, em rigor, duas figuras ou modalidades típicas, às quais o legislador decidiu juntar uma terceira: o reporte. 

São elas:

1- Penhor Financeiro: trata-se de uma garantia caracterizada pela entrega do seu objecto ao credor pignoratício ou ao tomador da garantia sem que, por isso, a propriedade se transfira para esse último.
À partida, teríamos um penhor comum (art. 666.º e ss do C.C) que ganha natureza financeira mercê dos sujeitos, da obrigação garantida, do objecto do penhor, da vontade das partes e dos outros elementos do regime.
Neste penhor, haverá, em rigor, um penhor de direitos (art.679.º C.C). Na verdade, ele não recai, propriamente, sobre coisas corpóreas, de modo a figurar um clássico direito real de garantia. E incidindo sobre numerário e instrumentos financeiros, ele antes traduz uma afectação de coisas incorpóreas a fins de garantia.
Contudo, o regime do penhor civil serve, sempre, de referência. De resto, essa solução resulta do art. 22.º do D.L n.º 105/2004, de 8 de Maio, relativo ao Direito subsidiariamente aplicável.
Uma especialidade do penhor financeiro é a possibilidade de estabelecimento de um direito de disposição sobre o seu objecto (art. 9.º do D.L n.º 105/2004 e art. 5.º da Directriz n.º 2002/47/CE.
À partida, esse direito de disposição não é automático, devendo ser clausulado pelas partes no competente contrato. No entanto, é natural que ele se converta numa cláusula de estilo, isto porque, o direito de disposição é, justamente, um dos pontos que melhor distingue o penhor financeiro do penhor comum.

O exercício deste direito de disposição depende:

a) Quanto aos valores mobiliários escriturais, de menção no respectivo registo em conta;


b) Quanto aos valores mobiliários titulados, de menção na conta de depósito.


O direito de disposição permite ao beneficiário da garantia, alienar ou onerar o objecto da garantia prestada, nos termos previstos no contrato, como se fosse proprietário. 

O preceito aqui é claro. Em vez do objecto da garantia aguardar, estaticamente, o eventual cumprimento da obrigação, podendo ser utilizado na hipótese de isso não suceder, no penhor financeiro esse objecto pode, de imediato, ser alienado ou onerado pelo tomador da garantia. 
Satisfará, assim, para além da função de garantia, outros papéis no domínio da criação e da circulação de riqueza.

Porém, o prestador da garantia mantém-se titular do objecto. Por isso, o exercício do direito de disposição implica para o beneficiário da garantia, alguma das seguintes três obrigações:


a) Havendo cumprimento da obrigação garantida, ele deve restituir ao prestador um objecto equivalente: solução natural, uma vez que se tratam realidades fungíveis;


b) Havendo cumprimento e permitindo-o o contrato, entregar-lhe em dinheiro o valor que o objecto teria no momento do vencimento nos termos acordados pelas partes e segundo critérios comerciais razoáveis. Este aspecto põe-se porque, no vencimento, o valor do objecto pode não ter expressão imediata e objectiva;


c) Quando o contrato o preveja, livrar-se da sua obrigação de restituição por compensação, sendo o crédito do prestador avaliado nos termos descritos no ponto anterior.


A solução supletiva para o exercício do direito de disposição é a restituição, havendo cumprimento, de um objecto equivalente. Esse objecto substitui, para todos os efeitos, a garantia financeira original e considera-se como tendo sido prestado no momento da prestação desta (art. 10.º/3).

Um fenómeno equivalente opera com os direitos de beneficiário sobre o objecto da garantia. A noção de "objecto equivalente" é fixada no art.13.º.
Apenas havendo acordo das partes, exarado no contrato, é possível encarar a substituição do objecto inicial pelo seu valor (e não por um equivalente) e, ainda, a compensação.
Tudo isso não é prejudicado pelo vencimento antecipado da obrigação garantida.

Como já foi referido, o penhor financeiro surge, à partida, como um penhor de direitos. Não se trata, assim, de um verdadeiro direito real de garantia, uma vez que não implica uma coisa corpórea. Trata-se de uma garantia especial, moldada sobre o penhor, com relevo para a indisponibilidade do objecto, por parte do devedor e para a preferência de realização pecuniária, havendo execução.

Ressurge, então, o problema de qualificação do beneficiário da garantia, uma vez que nestes moldes, numa primeira análise, este parece ser de facto o dono da coisa já que a pode alienar ou onerar.
Contudo, o beneficiário não passa - pelo menos não rigorosamente - a proprietário. Este pode alienar ou onerar, mas quanto ao resto, haverá que contar com a vontade do dador da garantia, independentemente do incumprimento. Estamos, assim, perante uma figura sui generis.
Trata-se, desta forma e para efeitos de classificação técnica, de um penhor irregular. Um penhor em que o titular da garantia pode alienar ou onerar o objecto da garantia, independentemente de qualquer incumprimento, devendo entregar o equivalente.
Repare-se que, não sendo exercido o poder de disposição, o risco mantém-se por conta do dador da garantia.


2- Fidúcia Financeira ou Alienação Fiduciária em Garantia (financeira):
a fidúcia corresponde ao mais antigo direito real de garantia.
Nela, o devedor, com a observância do devido formalismo, transmitia, a favor do credor, a propriedade de determinada coisa. Quando a obrigação fosse cumprida, o credor deveria retransmitir a propriedade da coisa-garante para o devedor.
A fidúcia era um negócio pesado e pouco animador para o devedor, uma vez que este corria o risco de cumprir sem reaver a coisa. No entanto, mais recentemente, no Direito europeu, a fidúcia renasceu, embora com um alcance mais diverso.
Será sempre possível, ao abrigo da autonomia privada, celebrar um acordo pelo qual se transmita uma propriedade de uma coisa, ficando o transmissário obrigado a, ulteriormente, retransmiti-la para o primitivo alienante. Utilizada como garantia, esta figura tem três óbices:

a) Não pode ter natureza real, mercê do princípio da tipicidade, consagrado no art. 1306.º n.º 1 do C.C;

b) Pode suscitar problemas de nulidade, por contundir com a proibição dos pactos comissórios;

c) É muito violenta para o devedor, privado, desde logo, do domínio e à mercê do que, depois, possa suceder, em relação à coisa.

No particular condicionalismo objectivo e subjectivo que rodeia as garantias, a Directriz n.º 2002/47/CE veio, no seu art. 6.º, dispor  "o reconhecimento de acordos de garantia financeira com transferência de titularidade". Trata-se, assim, da fidúcia. 
O beneficiário da alienação fiduciária ou da fidúcia financeira, para simplificar, está, naturalmente, adstrito a certos deveres, isto, até ao momento convencionado para o cumprimento das obrigações financeiras garantidas (art. 14.º do D.L n.º 105/2004).

 Assim, o beneficiário da fidúcia financeira deve:

a) Restituir a prestador a garantia prestada ou objecto equivalente. Restituir envolve, aqui, a (re)transmissão da titularidade;

b) Ou entregar ao prestador o valor em dinheiro correspondente ao objecto da garantia, no momento do vencimento da obrigação de restituição, nos termos acordados pelas partes e segundo critérios comerciais razoáveis;

c) Ou livrar-se da obrigação por meio de compensação, avaliando-se o crédito do prestador nos termos da alínea anterior.


A hipótese de restituir a própria coisa ou equivalente fica na disponibilidade do tomador da garantia.

Analisando o acima descrito, é possível perceber que possa existir alguma confusão ou equivalência entre a figura do penhor financeiro e a figura da fidúcia financeira, devido a proximidade prática destes regimes.

Importa assim, fazer uma distinção entre estas figuras:

i) No penhor financeiro, o poder de disposição tem de ser expressamente "aditado" pelas partes; na fidúcia financeira, tal poder resulta do simples facto de o fiduciário ser titular pleno;

ii) No penhor financeiro, a possibilidade de, em vez de uma coisa equivalente à empenhada, se entregar dinheiro, depende de acordo prévio; na fidúcia financeira, é uma opção sempre na esfera do beneficiário-fiduciário;

iii) No penhor financeiro, mesmo quando presente o poder de disposição e enquanto este não for exercido, o risco da perda da "coisa" corre pelo devedor; na fidúcia financeira, ele corre pelo credor. Assim, neste último caso, havendo perda fortuita, o fiduciário mantém-se obrigado a restituir o seu valor.

Perante um penhor financeiro com direito de disposição, a fidúcia poderá parecer um mecanismo desinteressante, no entanto, pode ser uma opção desejável, uma vez que transmite uma ideia de solidez que pode relevar, no comércio bancário. 




3- Reporte:
trata-se de uma modalidade de fidúcia financeira. 

Vejamos:

O reporte é o mais antigo dos contratos típicos que pode (mas não só) desempenhar funções de crédito e de garantia, sendo esta constituída pela titularidade de um direito. Trata-se de uma figura prevista no Código Comercial de 1888, ainda em vigor (art. 477.º e ss). Vemos, desta forma, que existem duas disciplinas aplicáveis ao reporte. Sempre que este preencha os requisitos de aplicação do diploma das garantias financeiras, será esse o regime a aplicar. Quando tal não se verifique, aplicar-se-á aquele que seria designado o seu regime geral.
O reporte é (como definido pelo CCom.) constituído pela compra a dinheiro de contado, de títulos de crédito negociáveis e pela revenda simultânea de títulos da mesma espécie, a termo, mas por preço determinado, sendo a compra e a revenda feitas à mesma pessoa. Este acrescenta, ainda, que é condição essencial à validade do reporte a entrega real dos títulos. 
O reporte conclui-se entre o reportador (aquele que compra os títulos, paga o respectivo preço e revende concomitantemente a termo títulos da mesma espécie) e o reportado (o contraente que vende os títulos, recebe o preço e recompra simultaneamente, mas também a termo, títulos da mesma espécie). A primeira venda é realizada a contado, o que significa que produz efeitos imediatamente, e a revenda é realizada ao mesmo tempo, mas os seus efeitos só se produzem quando se verificar o termo, isto é, decorrido o prazo fixado pelas partes.
Importa referir, ainda, que o reporte apresenta diferentes modalidades (reporte em sentido estrito; deporte; reporte de banca; reporte de bolsa) e também é classificável consoante a função desempenhada (função de disponibilidade de títulos; função especulativa; função de crédito e de garantia, que se desdobra em reporte com função de crédito e garantia como negócio fiduciário).

Olhando agora para o reporte como modalidade da alienação fiduciária em garantia/fidúcia financeira, aqui, a revenda produz os seus efeitos a termo, vencendo-se nesse momento também as obrigações de pagar o preço e de entregar os títulos, de os transferir. Para além disso, a lei chega ao ponto de considerar o regime deste contrato subsidiário em relação àquele que o mesmo diploma dispõe para a fidúcia financeira (art. 22.º do D.L n.º 105/2004, de 8/5).



CONCLUSÃO (parcial)

Estas figuras típicas, como se viu, não se definem. Antes, descrevem-se pelos traços essenciais do seu conteúdo. Recorde-se o art. 1305.º do C.C, emblematicamente reportado à propriedade. Assim sendo, compreende-se a dificuldade extrema em definir "garantia financeira", realidade que agrupa o penhor financeiro, a fidúcia financeira e o reporte.

Uma vez que o tema das Garantias, ainda que focado na banca, afigura-se extenso, algo complexo e esta exposição já se vê longa (considerando a presente plataforma e o propósito do blog), este tema será repartido de modo a assegurar que a leitura permaneça "leve", dentro do que tem sido habitual aqui no ARS BANCÁRIA.
Será dada sequência a este tema, numa próxima entrada.



Elaborado por: Dr. Elvis Barros



BIBLIOGRAFIA

CORDEIRO, António Menezes - Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 5ª ed., 2015.


DE VASCONCELOS, L. Miguel Pestana - Direito das Garantias, Coimbra, Almedina, 2ª ed., 2017. 


FERREIRA, António Pedro A.- Direito Bancário, Lisboa, Quid Juris, 2ª ed., 2009.

Comentários

  1. Bom artigo e boa iniciativa, fiquei a saber de coisas que nem sequer fazia ideia. Desejo-te muito sucesso e que Deus ilumine sempre os teus passos .😊

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