OS PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO BANCÁRIO - 2ª PARTE










O PRINCÍPIO DA RAPIDEZ


É possível distinguir a rapidez bancária da simplicidade, embora exista uma ligação entre as duas. Na rapidez não se trata tanto de simplificar o modo de praticar certos actos, mas antes, de facilitar a tomada de decisão conducente à sua celebração. 
A rapidez está, ainda, associada à crescente dimensão dos bancos e à necessidade de descentralizar, no seu seio, o processo, o processo decisório negocial ou de contratar: apenas os negócios inabituais ou de elevado montante subirão ao conselho de administração da instituição.

Esta exige, desde logo, uma normalização substancial. Os negócios-tipo oferecidos aos clientes da banca, estão predefinidos. 
Perante um pedido de financiamento, por exemplo, o banco começará por reconduzi-lo a um dos modelos que habitualmente disponibilize e que se lhe afigure adequado em face das circunstâncias do caso. 
Num outro exemplo, se se tratar de uma aquisição imobiliária, o banco irá considerar o mútuo hipotecário (como o crédito habitação) ou a locação financeira de imóveis.

Só por excepção se irá estudar uma fórmula atípica.

Resulta daqui que, apesar de lidarmos, na banca, com um numerus apertus de actos, estes, na prática, obedecem a tipos predeterminados, legais ou sociais.

Para além da normalização nos negócios disponíveis, temos ainda uma normalização, a nível de negócios preconizados. Os clientes ou virtuais clientes do banco são, desde logo, ordenados por “segmentos”, prima facie em função dos rendimentos.

Seguidamente, são-lhes propostos negócios consoante o “segmento” a que pertençam, de tal modo que se possa aproveitar, ao máximo, o potencial de rendibilidade bancária que cada um possa alcançar.


1.1. O Recurso a Cláusulas Gerais dos Contratos 

Corolário lógico das exigências substanciais de normalização é o recurso intensivo  à contratação com recurso  a Cláusulas Gerais dos Contratos (CGC).

As CGC dos bancos coligiram os usos do sector e dão corpo a contratos básicos que não dispõem de regimes legais supletivos ou que, a esse nível, apenas desfrutam de leis muito elementares.

A adesão a CGC dispensa todo um processo de negociação e dissipa dúvidas quanto à realidade acordada. Ela permite, ainda, realizar decisões descentralizadas, dentro das instituições financeiras bancárias. Operações delicadas, como o cálculo do risco, ficam facilitadas no recurso a cláusulas gerais dos contratos: estas postulam o prévio estudo, por sectores, dessa matéria.


1.2. A Desmaterialização


A desmaterialização tem, por seu turno, a ver com a possibilidade de representação e de comunicação das realidades atinentes à banca e, maxime, do próprio dinheiro, através de suportes automáticos e electrónicos e, portanto, imateriais. Isto, no sentido mais imediato do termo.
A desmaterialização do Direito bancário provocou a difusão de um instrumento novo: os cartões bancários, de crédito e de débito ou de pagamento. Para além disso, toda a prática bancária foi profundamente alterada. As diversas operações jurídicas são processadas através de meios electrónicos. Nalguns casos, elas ainda são acompanhadas por suportes escritos, noutros, prescinde-se, por completo.
Ainda, o aprofundamento da banca electrónica acabará (e é o que já se verifica) por permear múltiplos vectores negociais:

- as hipóteses negociais serão limitadas, de antemão, pela programação do autómato;



- a interpretação negocial é limitada a estrita mensagem codificada introduzida no autómato.


Para mais, o Direito bancário, no seu conjunto, não poderá deixar de ser afectado. A política monetária, a supervisão e a colaboração internacionais devem adaptar-se. 

As relações são simplificadas em extremo, tendendo para abstracção e, em certos cenários, para pôr em crise os contactos entre as pessoas e a própria confiança.
A desmaterialização tem, depois, profundas consequências nos títulos de crédito e, em geral, nos valores mobiliários. 

Ela domina, além disso, toda a concretização do tráfego bancário.



O PRINCÍPIO DA PONDERAÇÃO BANCÁRIA


O princípio da ponderação bancária equivale a um modo de realizar o Direito próprio do comércio bancário. Implica, fundamentalmente:

- uma fórmula de contratar;

- um esquema de interpretar o contratado;

- as garantias do cumprimento.


Nada impede outras entidades, num sector financeiro alargado que englobe os seguros e os valores mobiliários, de recorrer a esquemas similares de ponderação. Originária e tipicamente eles têm, todavia, origem no manuseio profissional do dinheiro.

A ponderação bancária requer, em primeiro lugar, a prevalência das realidades patrimoniais, tal como relevam em termos de realização pecuniária. 
No limite, o cliente ideal para um crédito será o que dele não precise. O banco procurará avaliar a capacidade financeira do cliente, ponderando especialmente a facturação (cash flow) em detrimento do património e, quanto a este: procedendo a uma efectiva valoração perante o mercado (e não, por hipótese, em face de valores oficiais dados pelas matrizes prediais ou por avaliações que não as do mercado).

A realidade subjacente leva o banco a privilegiar as abrangências negociais. 

Excepcionalmente, um banco irá praticar, com um seu cliente, um único acto bancário. E quando porventura o faça, será em prejuízo seu: uma abertura de conta (em regra). Este, por si só, (pode) representa apenas um custo para o banco.
Os actos bancários estão vocacionados, em nome da realidade económica que lhes subjaz, para se encadearem em séries ilimitadas. Daí resulta, de resto, o fenómeno da relação bancária complexa.

Temos, ainda em nome da prevalência das realidades, uma ideia de flexibilidade. 


A banca está, em princípio e com salvaguarda das preocupações de normalização, disponível para estudar e para concretizar novos esquemas negociais que podem resultar da importação de figuras oriundas de outros ordenamentos, da adopção de figuras antigas com objectivos financeiros ou do desenvolvimento de realidades contratuais novas.


1.3. A Interpretação Segundo o Primeiro Entendimento

Numa análise rigorosa, a interpretação dos actos bancários deveria efectivar-se segundo as regras contidas nos arts. 236.º e ss. do C.C.

O recurso a CGC implica, nos termos do art. 6.º da LCGC, a utilização dessas mesmas regras.
 
Se se atentar nas realidades do comércio de massas subjacentes à prática bancária, logo se vê a inviabilidade de uma interpretação individualizada de vários actos.


No dia-a-dia da banca surgem, pelo lado do banqueiro e, por vezes, também pelo lado do cliente, numerosos operadores ou empregados. Ora é essencial que, às declarações proferidas, todos “dêem” o mesmo sentido.

A normalização das grandes instituições e a praticabilidade dos próprios esquemas negociais bancários ficariam em crise quando se impusessem interpretações variáveis, em função dos concretos suportes humanos em presença.

Isso conduz-nos a uma interpretação essencialmente objectiva das declarações bancárias. Esta mesma dimensão reduz a aplicabilidade das figuras do erro na formação e na declaração: os actos valem pelo que, neles, esteja exarado.

É possível exprimir esta preocupação através da regra do primeiro entendimento: a declaração negocial vale com o sentido codificado que dela resulte ou, na falta dele, com o do primeiro entendimento que, dela, o operador venha a retirar. O essencial é que todos “dêem”, à declaração, o mesmo sentido.


1.4. A Eficácia Sancionatória

No respeitante aos incumprimentos e sanções, no âmbito do Direito bancário, pergunta-se se estamos perante um sector especialmente dominado pela confiança. No desenvolvimento das concretas relações bancárias, estabelece-se, em regra, uma relação unilateral de confiança, do cliente para com o seu banco. O inverso, pelo menos à partida, não é exacto. 

Ab initio, o cliente tem um conhecimento muito mais aprofundado sobre as suas próprias possibilidades, sobre o seu passivo e sobre a sua solvência, do que a instituição financeira bancária a que recorra.

Consciente desse seu deficit de informação, o banco é, assim, levado a tomar uma série de precauções que, em face de bons clientes, só não são inúteis como gravosamente encarecedoras dos produtos em causa.


A relação bancária inicia, assim, sob o signo de desconfiança, por parte do banco, particularmente perante pessoas que não tenham curricula de (bons) devedores, ou seja, aquelas que, por não terem passivo, maior solvência apresentam. Daí a multiplicação de garantias que, muitas vezes, envolve o tráfego bancário.

As garantias fazem parte, intrínseca, do tráfego bancário. Todavia, idealmente, o banco não procurará as garantias mais fortes e, maxime: a hipoteca. Antes, dará preferência a garantias pessoais, concedidas por entidades totalmente solventes e, máxime: por outros bancos ou pelo Estado.


Na vida real, a hipoteca é um produto caro, além disso, o seu funcionamento depende de mecanismos processuais (acções executivas) que se revelam, muitas vezes, demasiado morosos e, por vezes, dispendiosos.
Em operações de crédito comercial, a eficácia sancionatória dará clara preferência a garantias pessoais idóneas.

A sanção mais eficaz, no domínio bancário, é precisamente a hipótese do corte do crédito. Na vida comercial e no âmbito de uma relação bancária complexa, um incumprimento injustificado, por parte de um cliente, envolve, além de diversos vencimentos antecipados, a não concessão de mais crédito.
Tanto basta para paralisar a generalidade das empresas, pois, estas tudo farão para prevenir incumprimentos.

Desta maneira, o sistema auto-sustenta-se e isso mesmo sabendo que os esquemas coercivos do Estado, quando eficazes, funcionam em tempos e por preços proibitivos. 

No limite, temos as regras das insolvências, nas quais todos os credores que não estejam suficientemente apoiados em garantias especiais perdem dinheiro.


CONCLUSÃO

O Direito bancário legitima e regula o sistema financeiro e as suas relações com os particulares. Subjaz-lhe, sempre, a ideia omnipresente do dinheiro e do seu tratamento profissional, o que basta para se lhe atribuir um papel claro no ordenamento jurídico e para se lhe poder avaliar a importância prática.

Indo mais longe, a crescente especialização das sociedades técnicas pós-industriais tem vindo a concentrar, na banca, tudo quanto respeite a pagamentos e a crédito. 
Hoje, muito dificilmente, uma operação de relevo dispensa um banco e as próprias operações correntes para isso tendem. Essa base, já de si considerável, vem sofrendo um alargamento contínuo: os bancos tornam-se centros de conglomerados que disponibilizam, aos seus clientes, serviços cada vez mais extensos. 

Além da generalidade dos produtos financeiros, os bancos dispensam consultadoria e, com a intervenção de entidades por eles dominadas, proporcionam: seguros, assistência em viagem, na saúde, em negócios e o acesso a bens e serviços de toda a natureza.

Deste modo, o Direito tem, aqui, um campo inesgotável de análise e de aperfeiçoamento, o que obriga a que os princípios gerais e orientadores do Direito bancário permeiem, sempre, os novos desenvolvimentos verificados na prática bancária, em particular, e na prática financeira, em geral, salvaguardando-se, assim, a integridade das instituições, do sistema financeiro e, até, dos próprios profissionais do sector.




Elaborado por: Dr. Elvis Barros



BIBLIOGRAFIA


CORDEIRO, António Menezes - Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 5ª ed., 2015.
 
FERREIRA, António Pedro A., Direito Bancário, Lisboa, Quid Juris, 2ª ed., 2009.

Comentários

Mensagens populares