CRIPTOMOEDAS: O QUE SÃO, AFINAL? UMA (muito) BREVE ANÁLISE DO CENÁRIO REGULATÓRIO INTERNACIONAL ACTUAL
BLOCKCHAIN
Antes de
analisarmos as criptomoedas em concreto, faz-se necessário entender a
tecnologia que possibilita a sua existência e funcionamento: a blockchain.
Trata-se de
uma tecnologia de registo distribuído que visa a descentralização como medida
de segurança. São, essencialmente, bases de registos e dados distribuídos e
compartilhados que têm a função de criar um índice global para todas as
transacções que ocorrem em um determinado mercado.
Opera, assim, como um livro-razão, só que público,
compartilhado e universal, com o propósito de estabelecer um consenso e
confiança na comunicação directa entre duas partes sem a necessidade de
intervenção de um terceiro, ou seja, de um intermediário.
Esta está em crescimento constante, uma vez que novos
"blocos" completos são adicionados a cadeia por um novo conjunto de
registos. Os blocos são adicionados à blockchain de modo linear e
cronológico e cada nó - qualquer computador que conectado a essa rede tenha a
tarefa de validar e repassar transacções - obtém uma cópia da blockchain
após a sua inserção na rede.
Os "blocos" na blockchain são
compostos de informações (digitais), que se dividem em três partes:
1ª Os blocos armazenam informações sobre as transacções, como a data, hora e valor (na moeda designada) da operação ou compra mais recente;
2ª Os blocos armazenam informações sobre quem
participa das transacções. Contudo, em vez de utilizar o nome real do
participante ou outro dado de identificação considerado mais
"tradicional", a transacção é registada usando uma "assinatura
digital" exclusiva, como um nome de usuário;
3ª Os blocos armazenam informações que os
distinguem de outros blocos. Cada bloco armazena um código exclusivo chamado
"hash" que permite diferenciá-lo de todos os demais blocos.
Assim, caso um mesmo usuário realize uma segunda transacção enquanto outra
ainda está a decorrer ou em trânsito, embora os detalhes da nova transacção
sejam quase idênticos à transacção anterior, ainda será possível distinguir os
blocos por causa de seus códigos exclusivos.
E quando um bloco armazena novos dados, ele é
adicionado a blockchain que, como o próprio nome sugere, consiste em
vários blocos unidos. Para que esta adição ocorra é necessário que:
a) Se realize uma transacção;
b) Que se verifique a transacção. Com outros sistemas
de registos públicos de informações, há alguém encarregado de verificar novas
entradas de dados, no entanto, com o blockchain, esse trabalho é
realizado por uma rede de computadores que geralmente consistem em milhares (ou
no caso de Bitcoin, cerca de 5 milhões) de computadores espalhados pelo mundo.
Quando uma transacção é realizada, essa rede de computadores verifica se esta
ocorreu de acordo com as instruções dadas, ou seja, esta rede confirma os
detalhes da operação, incluindo o tempo da transacção, o valor na moeda indicada
e os intervenientes;
c) Que a transacção seja armazenada num bloco. Feita a
verificação dos dados da transacção, esta é validada. O valor da transacção e a
assinatura digital dos intervenientes são armazenadas em um bloco. Aí, a
transacção provavelmente se juntará a centenas ou milhares de outras
transacções similares;
d) Uma vez
que todas as transacções de um bloco tenham sido verificadas, ele deverá
receber um código de identificação único chamado "hash". O bloco
(génese) também recebe o "hash" do bloco que tenha sido adicionado ao
blockchain mais recentemente. Uma vez que o "hash" tenha sido
atribuído, o bloco poderá, então, ser adicionado ao blockchain.
i) Blockchain e Bitcoin
O objectivo da blockchain é permitir que as
informações digitais sejam gravadas e distribuídas, mas não editadas. Para
melhor se perceber este conceito, faz-se necessário analisar a aplicação mais
antiga e também mais popular desta tecnologia: a Bitcoin.
A tecnologia Blockchain foi delineada pela
primeira vez em 1991 por Stuart Haber e W. Scott Stornetta, dois pesquisadores
que queriam implementar um sistema em que os timestamps de documentos
não pudessem ser adulterados. Mas só quase duas décadas depois, com o
lançamento do Bitcoin em janeiro de 2009, que o blockchain teve
sua primeira aplicação (pública) no mundo real.
O protocolo da Bitcoin é construído no blockchain.
No trabalho de pesquisa em que apresenta esta criptomoeda, Satoshi Nakamoto
(pseudónimo), creditado como o criador da Bitcoin, definiu-a como
"um novo sistema de pagamento eletrónico totalmente "peer-to-peer",
sem a intervenção de intermediários de confiança (como um banco)".
De acordo com um estudo de 2017 do Cambridge Center
for Alternative Finance, o número de utilizadores de Bitcoin pode
chegar a 5,9 milhões. Digamos que uma dessas 5,9 milhões de pessoas queira
gastar seu Bitcoin em compras. É aqui, que a blockchain intervém.
Tratando-se de dinheiro impresso, a sua utilização é
regulada e supervisionada por uma autoridade central (se quisermos transportar
para a realidade angolana, o BNA), mas a Bitcoin não é controlada por
ninguém. Em vez disso, as transacções feitas com Bitcoin são verificadas
por uma rede de computadores.
Quando uma das partes paga a outra com Bitcoins,
os computadores da rede Bitcoin verificam a transacção. Para fazer isto,
os usuários executam um programa nos seus computadores e tentam resolver um
problema matemático complexo (o "hash").
Quando um computador resolve o problema ao atribuir o
"hash" a um bloco, o seu trabalho algorítmico também verifica as
transacções do bloco. A transacção concluída é, então, registada publicamente e
armazenada como um bloco na blockchain, momento em que se torna
inalterável. No caso da blockchain associada à Bitcoin e de
muitas das outras blockchains, os computadores que verificam com êxito
os blocos são recompensados com criptomoedas.
Embora as transacções sejam registadas publicamente na
blockchain, os dados do usuário não são (ou, pelo menos, não estão
completos). Para realizar transacções na rede Bitcoin, os participantes
devem executar um programa chamado "wallet (carteira)". Cada
carteira consiste em duas chaves criptográficas únicas e distintas: uma chave pública e uma chave
privada. A chave pública é o local onde as transacções são depositadas e
retiradas. Essa também é a chave que aparece no livro-razão da blockchain
como assinatura digital do usuário.
Mesmo que um usuário receba um pagamento em Bitcoins na sua chave pública, ele não poderá fazer o "levantamento" com a contraparte privada. A chave pública de um usuário é uma versão abreviada de sua chave privada, criada por meio de um algoritmo matemático complexo. No entanto, devido à complexidade dessa equação, é quase impossível reverter o processo e gerar uma chave privada a partir de uma chave pública. Por esse motivo, a tecnologia blockchain é considerada confidencial e segura.
ii) Blockchain para além da Bitcoin
Os blocos na blockchain são utilizados, em
regra, para armazenarem informação sobre transacções monetárias, mas o seu
potencial não se limita a isto. A blockchain assume-se como um método
fiável de armazenamento de dados sobre outros tipos de transacções, podendo ser
utilizada para armazenar informação relativa a transferência de propriedade,
etapas numa cadeia de abastecimento e até mesmo informação relativa a votações
num processo eleitoral.
Vejamos alguns exemplos:
a) Banca: a integração da blockchain nas Instituições
Financeiras Bancárias (IFBs) possibilita que as transacções sejam realizadas
num período tão curto quanto 10 minutos, muito inferior aos 1 a 3 dias (ou
mesmo mais, quando se trata de operações internacionais) que em regra as transacções
tendem a levar para serem concretizadas. Ademais, com a blockchain, os
bancos podem realizar as transacções não apenas com maior celeridade, mas
também com maior segurança, reduzindo custos e riscos, quer para os bancos,
quer para os clientes bancários;
b) Registo Predial: com a implementação da blockchain
nos serviços de registo predial, os dados referentes a titularidade da
propriedade, histórico e características da mesma poderão ser armazenados num
bloco da cadeia, o que não apenas reduziria custos e os riscos de perda ou de
adulteração de informação, como tornaria todo o processo significativamente
menos moroso;
c) Serviços de Saúde: os provedores de serviços de saúde
poderão utilizar a blockchain para armazenarem os dados dos pacientes
com maior segurança. Quando um relatório médico é gerado e assinado, pode ser
inserido ou escrito na blockchain, o que, por sua vez, consubstancia uma
maior garantia, perante os pacientes, de que a sua informação médica não será
adulterada ou facilmente obtida;
d) Processo Eleitoral: a utilização desta tecnologia em
processos eleitorais, tem o potencial de eliminar a ocorrência de fraude
durante a contagem de votos. Neste cenário, cada voto seria um bloco na blockchain,
fazendo com que seja particularmente difícil alterar os resultados. Além disso,
o protocolo da blockchain permitiria reduzir o número de intervenientes
no processo de contagem providenciaria resultados automáticos ou mesmo
instantâneos.
CRIPTOMOEDAS
São moedas digitais ou virtuais que utilizam
criptografia complexa, o que dificulta a sua falsificação. Muitas criptomoedas
são sistemas descentralizados baseados na tecnologia blockchain. Um
aspecto caracterizador das criptomoedas e, sem dúvida, seu maior atractivo, é
sua natureza orgânica: não é emitida por nenhuma autoridade central,
tornando-a, teoricamente, imune à interferência ou manipulação por parte das
autoridades governamentais.
A primeira criptomoeda a capturar a imaginação do
público foi a Bitcoin, que foi lançada em 2009, por Satoshi Nakamoto.
Em Fevereiro de 2019, havia mais de 17,53 milhões de
bitcoins em circulação, com um valor total de mercado de cerca de 63 biliões de
USD (embora o preço de mercado do bitcoin possa flutuar bastante). O sucesso da
Bitcoin gerou várias criptomoedas concorrentes como a Litecoin,
a Namecoin e a Peercoin, além da Ethereum, a EOS e
a Cardano (colectivamente conhecidas como "altcoins").
Hoje, existem milhares de criptomoedas, com um valor
agregado de mercado superior a 120 biliões de USD, sendo que o Bitcoin
representa, actualmente, mais de 50% deste valor.
De acordo com os promotores da sua utilização, as
criptomoedas encerram a promessa de facilitar a transferência directa de fundos
entre duas partes, sem a necessidade de intervenção de um intermediário, como
um banco, facilitando a realização de transferências pelo uso de chaves
públicas e chaves privadas para fins de segurança.
Nos
sistemas modernos de criptomoedas, a "carteira" ou endereço de conta
de um usuário tem a chave pública e a chave privada é utilizada para assinar as
transacções.
As
transferências de fundos são feitas com taxas mínimas de processamento, permitindo que os usuários evitem as taxas elevadas cobradas pela maioria dos
bancos e instituições financeiras pelas transferências eletrónicas, o que,
inclusive, tem despertado a atenção de alguns bancos internacionais, como o JP
Morgan Chase, que vêem nesta tecnologia a possibilidade de reduzirem as taxas
cobradas e um processamento mais eficiente das transacções, dando-lhes uma
vantagem competitiva.
E uma vez que as criptomoedas não são centralizadas,
os seus preços variam de acordo com a procura e a oferta, fazendo com que o
valor de conversão das criptomoedas varie significativamente, o que por sua
vez, leva a que alguns economistas as considerem uma moda passageira ou mesmo
uma bolha especulativa. Outra preocupação que se tem levantado relativamente as
criptomoedas, é o facto de estas não estarem enraizadas ou vinculadas a bens
materiais e algumas pesquisas indicarem que o custo de produção da bitcoin,
por exemplo, que consome uma quantidade cada vez maior de energia, está
directamente relacionado ao seu preço de mercado.
Mas
não é apenas na dimensão económica que as criptomoedas (e a bitcoin em
especial) têm levantado algumas questões. Do ponto de vista jurídico, tem-se verificado uma crescente preocupação, a nível internacional, relacionada a ausência
de regulamentação sobre esta matéria.
O CENÁRIO REGULATÓRIO
INTERNACIONAL
Recapitulando,
as criptomoedas não são emitidas, endossadas ou reguladas por um banco central
ou por uma autoridade monetária, sendo criadas pelo processo de
"mineração" gerado por computadores e são um método de pagamento
directo, ponto a ponto, que dispensam a intervenção de intermediários financeiros,
como as IFBs, que por sua vez, estão sujeitas a regulamentação. Além disso, as
transacções transfronteiriças feitas com criptomoedas (particularmente com Bitcoin),
não estão sujeitas as taxas de câmbio que acompanham as transacções
tradicionais.
As criptomoedas podem ser utilizadas para
realizar transacções entre quaisquer usuários, em qualquer lugar e a qualquer
hora e no caso particular da Bitcoin, isto pode ser feito anonimamente
(ou assim parece ser), o que a torna atraente para os agentes criminosos, que
podem servir-se de Bitcoins para comprarem ou venderem mercadorias
ilegais e o facto de a maioria dos países não terem, ainda, implementado um
regime claro sobre a utilização de criptomoedas (ou da Bitcoin em
específico), torna o combate à utilização desta tecnologia, com propósitos
criminosos, ainda mais desafiador.
No entanto, alguns países, concordaram com
o uso legal do Bitcoin (e das criptomoedas em geral), elaborando alguma
regulamentação a volta desta questão. Outros, no entanto, adoptaram uma postura
proibitiva sobre o uso de Bitcoins e até mesmo de criptomoedas de uma
maneira geral, embora esta última abordagem mais generalista sobre as criptomoedas
como tal, não seja a mais comum.
Apesar destas posturas contrastantes, existe o
consenso de que a Bitcoin (ou qualquer criptomoeda), pelo menos até ao presente
momento, não é aceitável como um substituto para a
moeda legal em nenhum ordenamento jurídico.
Quanto a posturas mais "benévolas" relativamente as
criptomoedas e a Bitcoin (que aparenta ser a mais preocupante para os
reguladores), temos os seguintes exemplos:
a) E.U.A: existe, aqui, uma
postura geralmente positiva em relação à Bitcoin e às criptomoedas em
geral, tanto que empresas de destaque como a Dish Network (DISH), Microsoft
Store, a Subway e Overstock.com (OSTK) aceitam pagamentos em Bitcoin e,
inclusive, estas são utilizadas no mercado de derivados, o que só vem reforçar
a legitimidade que este instrumento tem vindo a adquirir na realidade
norte-americana.
Não obstante, o FinCEN (a Unidade
de Informação Financeira dos E.U.A), e outras agências governamentais, têm
vindo a empreender esforços com o intuito de impedir que Bitcoins e outras criptomoedas
sejam utilizadas em actividades ilegais. Inclusive, com o intuito de enquadrar
as criptomoedas e a Bitcoin no quadro regulatório vigente, o Tesouro
americano classificou-as como Prestação de Serviços Monetários (Money Services
Business), colocando-as, assim, sob a alçada do Bank Secrecy Act, impondo aos
provedores destes serviços obrigações relativamente manutenção de registos e a
realização de reportes sobre as operações realizadas. Ademais, as criptomoedas são alvo de
tributação perante a Internal Revenue Service (equivalente a AGT angolana);
b) Canadá: neste ordenamento
jurídico verifica-se, igualmente, uma postura favorável, sendo que o Regulador apenas
toma as medidas que se assumam necessárias para combater a sua utilização em
actividades criminosas (uma vez mais, existe aqui uma especial atenção para a Bitcoin).
No ordenamento jurídico canadiano, as
transacções realizadas com criptomoedas são classificadas como prestação de
serviços de pagamento, o que permite enquadrar as mesmas no quadro regulatório
vigente em matéria de combate e prevenção de branqueamento de capitais.
Consequentemente, as empresas prestadoras de serviços relacionados a
criptomoedas, devem ser registadas na FINTRAC (a Unidade de Informação
Financeira do Canadá) e estão sujeitas a deveres de comunicação de operações
suspeitas, de controlo interno e de registo. Contudo, alguns bancos no Canadá
não permitem que os seus cartões (débito e crédito) sejam utilizados em operações
relacionadas a criptomoedas ou a Bitcoins em específico. Ainda, a Bitcoin,
para efeitos fiscais, é classificada como uma “commodity
(mercadoria)” pela Canada Revenue Agency (CRA), o que significa
que as transacções em Bitcoin (ou em outra criptomoeda) são percebidas
como operações de permuta e à receita gerada é-lhe atribuída uma natureza
comercial. Finalmente, no capítulo fiscal, a tributação também depende da
natureza ou do propósito da operação: esta varia consoante se trate de uma
compra e venda ou se se faz o recurso a Bitcoin (ou outra criptomoeda)
enquanto um instrumento de investimento;
c) União Europeia: embora a U.E acompanhe os desenvolvimentos relativos as
criptomedas e blockchain (vide o estudo de 2018, requisitado pelo Comité
Fiscal da U.E, sobre o contexto legal e as implicações desta tecnologia no
crime financeiro, branqueamento de capitais e evasão fiscal), ainda não existe
uma regulamentação clara a nível comunitário, o que tem permitido a cada
Estado-Membro adoptar o seu próprio posicionamento. Contudo, a entrada em vigor
da Directiva (UE) 2018/843 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio
de 2018, que versa sobre o combate ao branqueamento de capitais na U.E e abarca
os provedores de serviços relacionados a criptomoedas, submetendo-os aos mesmos
deveres universais a que todas as outras Entidades Sujeitas estão obrigadas, no
âmbito da prevenção e combate ao fenómeno do branqueamento de capitais, já se
começa vislumbrar um quadro jurídico comunitário mais preciso. Mas vejamos
alguns exemplos, de como os Estados-Membros têm abordado esta questão: na Finlândia, o Conselho Central de Impostos (CBT)
isentou a Bitcoin em sede de IVA (tal como a Bélgica)
ao classificá-la como um serviço financeiro e esta (tal como outras
criptomoedas) é percebida como uma commodity e não como uma moeda. Já o Chipre,
por sua vez, não emitiu qualquer regulamentação e nem legislou sobre a
utilização ou circulação de criptomoedas, fazendo com o que seu uso seja legal,
mas algo limitado do ponto de vista prático.
No Reino
Unido, que tem uma postura pró criptomoedas, verifica-se, hoje, a
realização de diversos esforços no sentido de se criar uma estrutura
regulatória favorável a utilização das mesmas.
Como último exemplo, temos a Alemanha, que mantém uma postura aberta à Bitcoin
e a outras criptomoedas, considerando-as legais e inclusive tributa as mesmas,
consoante o sujeito passivo seja uma plataforma de transacções, um “minerador”,
uma empresa ou um mero usuário.
Apesar das posições favoráveis
relativamente a utilização de criptomoedas e até mesmo da Bitcoin,
existem, naturalmente, ordenamentos com posições menos favoráveis, assumindo uma postura
mais cautelosa e por vezes mesmo proibitiva, isto, devido a sua volatilidade,
natureza descentralizada, utilização em actividades ilícitas e também por as
perceberem como uma ameaça aos sistemas monetários actuais.
Assim, são exemplos de defensores
destas posições:
a) China: os bancos e demais instituições
financeiras, como processadores de pagamento e sociedades prestadoras de
serviços de pagamento, estão proibidos de realizar transacções em Bitcoins
e em qualquer outra criptomeoda, inclusive, o Governo chinês tem procurado
reprimir os “mineradores” de Bitcoins e de outras criptomoedas. Contudo,
atendendo ao crescente desenvolvimento tecnológico que se tem verificado na
sociedade chinesa, há quem defenda que esta seja uma estratégia temporária,
devendo durar apenas até ao momento em que o Governo consiga desenvolver e
centralizar, adequada e funcionalmente, uma criptomoeda nacional;
b)
Rússia:
embora ainda não exista regulamentação concreta sobre Bitcoins e outras
criptomoedas, a realização de pagamentos de bens e serviços com estes
instrumentos foi proibida pelo Governo russo;
c)
Bolívia:
o Banco Central da Bolívia proibiu, expressamente, a utilização de qualquer
criptomoeda, seja como instrumento de pagamento ou de investimento.
No caso de Angola,
encontramos uma situação ainda algo incôndita.
No presente momento não existe qualquer legislação ou
regulamentação que incida sobre as criptomoedas (o que inclui a Bitcoin)
e, consequentemente, não se pode concluir que estas são ilegais, não havendo
assim um risco jurídico imediato ou directo associado à sua mera utilização em
Angola. Contudo, embora o BNA tenha, particularmente nos anos mais recentes,
adoptado um discurso favorável no que se reporta a utilização e desenvolvimento
de tecnologias modernas no sistema financeiro nacional, muito recentemente,
este adoptou uma postura perceptivelmente desfavorável (ou mesmo proibitiva)
quanto a utilização de criptomoedas e, em especial, de Bitcoins, pelos
mesmos motivos que levaram outros países a adoptarem posturas similares
(volatilidade, natureza descentralizada, utilização em actividades ilícitas,
ameaça ao sistema monetário actual).
Apesar desta recente postura mais negativista, ainda
não se verificou nenhuma medida concreta por parte do BNA relativamente as
criptomoedas, o que nos inspira a sugerir que, caso se venha a verificar
alguma, esta procure seguir os exemplos de ordenamentos como o canadiano ou os
que encontramos pela U.E, de adopção e adaptação (por sua vez, facilitadores da
prevenção) e não de proibição e repressão, o que poderá vir a ter um efeito
contrário ao desejado, especialmente num momento de crise cambial.
Assim sendo, sugerimos que (ainda que numa fase
inicial), as criptomoedas sejam enquadradas no ordenamento jurídico angolano,
com as necessárias adaptações, como um serviço de pagamento à luz do artigo
2.º r) da Lei do Sistema de Pagamentos
de Angola (Lei n.º 5/05, de 29 de Julho), uma vez que, devido a tecnologia que
lhes subjaz, são capazes de cumprir com os requisitos de segurança, fiabilidade
operacional, eficiência e transparência (relativa as regras de funcionamento do
serviço ou do instrumento aqui em questão) que resultam do art. 3.º da mesma
Lei. Este serviço seria, então, prestado por instituições que seriam submetidas
a um registo especial, para efeitos de supervisão, o que pode, inclusive,
resultar no surgimento de um novo tipo de instituição financeira no sistema
financeiro nacional, uma vez que se faz necessário respeitar o princípio da
exclusividade, imposto pelo art. 9.º da Lei de Bases das Instituições
Financeiras (Lei n.º 12/2015, de 17 de Junho). Mas, aqui é preciso atentar ao
facto de que muitas das empresas que se dedicam ao desenvolvimento desta
tecnologia, são start-ups, o que obriga a entrar, então, para o campo da
“necessária adaptação”, que deve resultar de uma avaliação ponderada do cenário
concreto em Angola.
No entanto, faz-se necessário indicar que
a prestação de serviços de pagamentos, em território angolano, que permitam
aceder a criptomoedas não estão isentos de riscos jurídicos, apesar de não
existir legislação ou regulamentação que incida sobre criptomoedas em
específico e nem a sua utilização seja ilegal: as entidades que não se
enquadrem na definição de prestador de serviços de pagamento que está plasmada
no art. 2.º q) da Lei do Sistema de Pagamentos de Angola (Instituições
Financeiras e Não Financeiras autorizadas a prestar serviços de pagamento)
podem incorrer numa pena de prisão de dois até oito anos, isto, nos termos do
art. 29.º da mesma lei, podendo, cumulativamente, serem-lhes aplicadas as
multas referidas nos arts. 30.º e 31.º.
CONCLUSÃO
Muitos observadores olham para as
criptomoedas como o futuro da actividade financeira e comercial global,
entendendo-as como moedas capazes de preservar valor, facilitar as trocas
comerciais, mais facilmente transportáveis e para lá da influência dos bancos
centrais e governos de uma maneira geral, conferindo aos consumidores uma maior
capacidade de comprar bens e serviços directamente de vendedores on-line e até
mesmo em algumas lojas físicas. E uma
clara demonstração da crescente legitimação das criptomoedas reside no facto de
estas hoje serem negociadas em bolsas de valores, originando, inclusive, Initial
Coin Offerings/ICOs (equiparáveis as IPOs).
Contudo, mesmo com este potencial
percebido por alguns dos entusiastas de blockchain e de criptomoedas em
particular, como vimos acima, muitos países ainda não possuem uma estrutura
regulatória robusta em torno das criptomoedas, uma vez que a sua natureza
descentralizada (e muitas vezes anónima) constitui um desafio significativo
para os Reguladores, que procuram mecanismos para facilitar a utilização da
mesma para fins lícitos enquanto, simultaneamente, procuram impedir que estas
tornem o combate a criminalidade uma tarefa ainda mais árdua.
Este é um desafio
complexo e interessante, que exige uma acção cautelosa, ponderada e bem
informada por parte dos Reguladores e do qual, como se viu recentemente, Angola
não está isenta.
BIBLIOGRAFIA
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Matt / LONDON, Simon - Blockchain Explained: What it is and isn't, and Why
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Fevereiro 2019.
Global Legal Research Directorate Staff -
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HOUBEN, Robby / SNYERS, Alexander - Cryptocurrencies
and Blockchain: Legal context and implications for Financial Crime, Money
Laundering and Tax Evasion, Departamento de Políticas para a Economia,
Ciência e Qualidade de Vida do Parlamento Europeu, Junho de 2018.
Elaborado por: Elvis De Barros
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