MODELOS DE SUPERVISÃO DO SECTOR FINANCEIRO
















CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO

A função do Estado Regulador implica a assumpção de um dever público de vigilância e garantia do desenvolvimento crescente privatizado das actividades económicas.
O exercício da regulação pelo Estado traduz-se, assim, no estabelecimento de regras gerais e abstractas de modo economicamente ordenado, com o intuito de reforçar ou controlar a livre concorrência, compreendendo um variado leque de poderes, que se poderão agrupar em:

I) Poderes de Informação e Acompanhamento: cujo objectivo é o de o regulador se inteirar das situações que caem sob a sua alçada, acompanhando o desempenho das entidades reguladas e efectuando uma verificação prévia da informação a ser dirigida ao público;

II) Poderes Normativos: ao abrigo dos quais o regulador emite regras gerais e abstractas para o sector regulado;

III) Poderes de Decisão Concreta: nos quais se incluem os poderes de atribuir autorizações e licenças, de manter registos, etc;

IV) Poderes de Fiscalização Concreta: através dos quais o regulador verifica a observância daquilo que tenha sido por si determinado;

V) Poderes Sancionatórios: através dos quais o regulador exerce as suas funções de prevenção e retribuição de violações perpetradas pelas entidades reguladas.

Embora, o termo regulação se prenda mais com os poderes normativos atribuídos ao regulador, consubstanciando-se no acompanhamento do mercado e do sector económico em causa, gerando directrizes e determinações de carácter genérico e, por outro lado, o termo supervisão se prenda mais com os poderes de acompanhamento  da actividade das entidades reguladas, corporizando-se em actos administrativos, determinações concretas e/ou sanções, a verdade é que esta última expressão se tem vulgarizado, sendo hoje geralmente aceite como compreendendo ambas as realidades.
Assim, poderá dizer-se que o termo supervisão tem, hoje, um sentido amplo, que abrange quer a regulação, quer a supervisão em sentido estrito.

A partir deste conceito, convirá, ainda, distinguir entre:

1) Supervisão Prudencial: é aquela que se destina a assegurar os valores de prudência na actuação dos agentes económicos e também os de confiança do público, visando a prevenção de riscos, a solvência e liquidez financeira das instituições reguladas e, portanto, exercida ex ante e esta pode, ainda, ser subdividida em Macro-Prudencial (tem como principal função limitar os riscos de instabilidade financeira e as perdas daí decorrentes para a economia real, agindo, assim, de forma preventiva ou a mitigar riscos sistémicos) e em Micro-Prudencial (incide sobre cada instituição ou mercado financeiro considerado individualmente);


2) Supervisão Comportamental: está (mais) associada a um controlo ex post da actividade das entidades reguladas junto dos consumidores, no intuito de obrigar ao cumprimento das regras vigentes pela aplicação de sanções aos agentes infractores.

O sector financeiro, que é o nosso real alvo de estudo, considera-se vulgarmente dividido em 3 subsectores:

1) Subsector Bancário: são alvo de supervisão bancária todas as instituições que actuam no mercado, na concessão de crédito e captação de depósitos. Aqui, cabe a entidade reguladora responsável pela supervisão bancária, que no caso angolano, é o Banco Nacional de Angola (BNA), atender, por um lado, a preocupações de carácter prudencial (prevenção de riscos, solvência e liquidez financeira das instituições financeiras intervenientes, para garantia da subjugação dos efeitos resultantes da assimetria informativa, e por forma a assegurar a gestão sã e prudente das mesmas), das quais resulta a necessidade de apreciação prévia da qualidade da instituição e dos seus serviços, e, por outro lado, de índole comportamental, através da imposição de sanções aos agentes infractores e ponderando sempre a protecção dos consumidores.
Competem-lhe, pois, funções de garantia da estabilidade do sistema financeiro, de fiscalização da organização, estrutura e actividade das instituições e de troca de informações, quer ao nível nacional, quer comunitário, assegurando uma supervisão integrada, tanto de base individual, como consolidada.

2) Subsector do Mercado de Capitais: com o propósito de proceder à regulação e supervisão neste subsector, que em Angola fica a cargo da Comissão do Mercado de Capitais (CMC), elege-se a tutela dos investidores e da confiança que estes depositam no sistema, através do controlo e garantia de um funcionamento transparente, eficaz e concorrencial do mercado de valores mobiliários.
Com efeito, pretende-se promover a prevenção e protecção eficaz do investidor contra os riscos, porém, não se pretende aqui libertar o investidor dos riscos associados às decisões de investimento por este tomadas, mas antes garantir que os mesmos são adequadamente documentados e, bem assim, percebidos e antecipados pelo mercado. Procura, deste modo, a autoridade administrativa assegurar que estejam cumpridas as condições e preenchidos os requisitos que permitam a assumpção pelos investidores dos riscos considerados normais e aceitáveis para o mercado em causa, visando-se, com isso, eliminar riscos anormais e extraordinários e prevenir a intensificação dos riscos próprios do mercado.

3) Subsector Segurador: a actividade no subsector segurador reporta-se, essencialmente, a aplicação, pelos particulares, das suas poupanças no pagamento de prémios de seguros com o objectivo de precaver necessidades ou danos futuros. O particular paga o prémio do seguro como forma de neutralizar um possível risco ou álea futuro.
Deste modo, o objectivo da supervisão da actividade seguradora, que em Angola é realizada pela Agência Angolana de Regulação e Supervisão de Seguros (ARSEG), encontra-se normalmente identificado com a protecção dos segurados. No entanto, a actividade de supervisão acaba por ir mais além, identificando-se, em certa medida, com a prossecução do interesse público, dado que a entidade reguladora, intervém, inclusivamente, ao nível da definição execução e controlo da execução das orientações definidas na política para o sector segurador.

Torna-se cada vez mais difícil estabelecer fronteiras rígidas entre os três subsectores. Com efeito, as tradicionais actividades creditícia, de investimento mobiliário e seguradora estão cada vez mais interligadas, dando origem a diferentes modelos de integração financeira, como o bancassurance e o assurbanking, sendo que a existência de conglomerados financeiros acresce a esta realidade.




MODELOS DE SUPERVISÃO

A) Modelo de Supervisão por Objectivos: nesta, as autoridades de supervisão actuam, não por referência a um subsector de mercado, mas antes de acordo com os objectivos de supervisão que lhe estejam cometidos, Deste modo, teríamos uma autoridade responsável pela supervisão prudencial e outra pela supervisão comportamental, o que conduziria a existência de mais do que uma entidade de supervisão por subsector.

B) Modelo Monista: este caracteriza-se pela existência de uma única autoridade de controlo, que actua globalmente sobre o sector financeiro, entendido como um todo e abrangendo todos os mercados e intermediários, em qualquer das suas áreas de actividade, bem como todos os objectivos da regulação (estabilidade do sistema, eficiência e protecção do consumidor).
Essa autoridade única atende tanto às preocupações prudenciais, emergentes em cada subsector e condensadas em objectivos únicos extensíveis à totalidade dos agentes, como às de carácter comportamental, impondo regras de conduta uniformizadoras e sancionando práticas ilícitas e lesivas.
Esta autoridade de supervisão pode ser criada especificamente para o efeito, possuindo competências unicamente na área da supervisão e estando em permanente articulação com o Banco Central, ou poderá ser o próprio Banco Central. Nesta segunda hipótese, o Banco Central cumula o papel de responsável pela supervisão com a função de controlo da política monetária e cambial, com vista à estabilidade do sistema financeiro e à prevenção do risco sistémico.
Uma crítica que se tem apontado a esta segunda abordagem, é a existência de conflitos de interesses quando a mesma entidade tem de alcançar diferentes objectivos através de políticas antagónicas ou a ameaça à independência do Banco Central, quanto à definição e execução da política monetária. Por outro lado, a criação de várias entidades obriga a uma multiplicação dos custos e estruturas e a uma maior articulação e cooperação entre ambas.
Ainda, a existência de uma única autoridade de supervisão obriga a um acentuar do nível de organização, de estruturação e de coordenação internas, de modo a que seja possível concretizar os processos decisórios com celeridade e evitar prejuízos colossais, o que devido a sua dimensão se prova uma tarefa extremamente árdua e muitas vezes com resultados pouco positivos.
É, também, muito frequente, a existência de eventuais problemas relacionados com o conflito de objectivos de regulação inter-sectorial, devido as particularidades de cada subsector.
Outro risco que este modelo representa, assenta na existência de uma maior propensão ao abuso de poder pelo supervisor, dada a elevada concentração de poder numa só entidade e a ausência de controlo e fiscalização sobre essa entidade , que actua isoladamente e estabelece sozinha toda a regulamentação a cumprir pelos operadores.

Mas como não poderia deixar de ser, este modelo também revela possuir as suas vantagens (ainda que algumas se remetam apenas ao plano teórico), nomeadamente:

a) A possibilidade de aproveitar e potenciar os benefícios decorrentes das economias de escala (permitem uma organização do processo produtivo da forma mais eficiente, isto é, aproveitando ao máximo os factores produtivos envolvidos e conseguindo os custos mais baixos associados ao incremento da produção, proporcionando um aumento da capacidade produtiva) e, assim, defende-se que a concentração de poderes numa só entidade permitiria o controlo de todos os agentes, instrumentos e mercados, e dotaria a autoridade de supervisão com um conhecimento absoluto e pormenorizado de todo o sistema financeiro, com os custos associados à manutenção de uma só estrutura;

b) Outra vantagem, seria a redução de compliance costs, com a aquisição de informação sobre o âmbito objectivo de intervenção das várias entidades de supervisão por parte de instituições que operem simultaneamente em todos os subsectores;

c) A existência de uma menor burocracia e desprocedimentalização, já que uma única autoridade disporia de toda a informação relevante e necessária à sua intervenção, o que permitiria poupar custos associados à troca de informação e de coordenação entre entidades. Diminuiria, também, a presença de assimetrias de regulação entre os subsectores.

C) Modelo Dualista: também chamado de modelo misto ou mitigado, este divide o mercado em dois segmentos, com duas entidades responsáveis por cada um deles, caracterizado pela tendência de segregar a regulação do subsector seguradora regulação dos subsectores bancário e de mercado de capitais. Precisamente por este motivo, tem, nos casos em que foi implementado, tido algum insucesso, na medida em que se revela alguma descoordenação entre a supervisão dos diferentes subsectores. Além, disso, a definição de objectivos revela-se difícil.


D) Modelo de Supervisão Institucional ou Especializada: este modelo (também chamado de modelo tripartido) assenta na clara distinção entre os três subsectores financeiros, no qual cada operador exerce a sua actividade em apenas um desses três subsectores. Assim, a supervisão é levada a cabo por segmento de mercado, a cada segmento correspondendo a uma autoridade de supervisão, a qual tem a seu cargo monitorizar todos os aspectos da actividade de supervisionado.
Entre as vantagens habitualmente atribuídas a este modelo de supervisão, encontram-se:

a) A facilidade de realizar o controlo efectivo das entidades supervisionadas, devido ao facto da área de actuação ser mais limitada;

b) Permite um elevado grau de especialização da autoridade no segmento do mercado em que opera;

c) Evita, de certa forma, a duplicação de controlo sobre uma mesma entidade.

Porém, este não opera sem as suas críticas. Com efeito, a diversificação das actividades das entidades supervisionadas nos três subsectores e a interligação entre os mesmos torna a implementação deste sistema cada vez mais difícil. Por outro lado, torna-se cada vez mais frequente a ocorrência de conflitos entre os objectivos visados pela própria supervisão na medida em que esta pretende abarcar toda a actividade dos operadores. Uma outra crítica refere a dificuldade de articulação entre várias autoridades de supervisão, nomeadamente no que respeita ao leque de competências de cada uma, à delimitação da sua área de actuação e à identificação dos operadores sujeitos à supervisão de cada autoridade. Acresce, por fim, a multiplicação de esforços e meios por parte dos operadores para lidarem com três entidades de supervisão diferentes.


E) Modelo de Cooperação e Coordenação: entendido como um meio termo e resultante da recente evolução dos mercados financeiros, acentuada pela conjuntura de instabilidade e de desconfiança dos mercados financeiros, bem como do crescente esbater de fronteiras entre os três subsectores com os inerentes riscos de contágio e efeito dominó no mercado, este tem como ideia central a necessidade de harmonizar a regulação do sector financeiro (tanto a níveis nacionais como internacionais).
Esta caracterização actual dos mercados financeiros reforça, então,  a necessidade de as autoridades de supervisão estreitarem a respectiva cooperação, criarem canais eficientes de comunicação de informações relevantes e concertarem ou coordenarem a sua actuação com o objectivo de eliminar, nomeadamente, conflitos de competência, sobreposições e lacunas de regulamentação e múltipla utilização de recursos próprios em matérias de interesse comum.
Em Angola verificou-se uma tentativa de aproximação deste modelo, ainda que formal, com a previsão do Conselho de Estabilidade Financeira (CNEF) no art. 67.º da Lei nº 12/2015 de 17 de Junho (LBIF), onde integra o capítulo sobre supervisão. Este órgão tem como objectivo assegurar a cooperação e coordenação entre as três autoridades (BNA, CMC e ARSEG), de modo a ultrapassar os constrangimentos e mitigar as desvantagens geralmente apontadas ao modelo de supervisão vigente.




O MODELO TWIN PEAKS

Este modelo caracteriza-se pela repartição das responsabilidades de supervisão por duas entidades autónomas e independentes, tendo ambas poderes transversais sobre todos os subsectores do sistema financeiro. A repartição de competências é efectuada em função da natureza prudencial ou comportamental da supervisão. Poderíamos dizer que este modelo resulta de uma fusão entre o modelo dualista e o modelo de supervisão por objectivos.
No modelo twin peaks a supervisão prudencial é exercida com vista à prossecução do objectivo de estabilidade, tanto a um nível macro como micro-prudencial.
Numa perspectiva macro, a salvaguarda da estabilidade do sistema financeiro é prosseguida através do controlo sobre as entidades relevantes para o sistema globalmente considerado, atento ao seu nível de risco.
E numa perspectiva micro, as instituições são reguladas e supervisionadas através de regras de disciplina financeira e de controlo dos riscos da actividade, tais como a imposição de rácios de fundos próprios e de solvabilidade, reservas de liquidez, limites ao endividamento, restrições quanto às actividades que podem desenvolver, regulamentação das actividades fora do balanço, regras específicas quanto aos investimentos de carteira própria, etc.
Em suma, a supervisão prudencial tem como cerne o reconhecimento e o controlo dos riscos, tendo em vista controlar e assegurar a resiliência do sistema e das instituições financeiras de forma a garantir a estabilidade financeira.
Já a supervisão comportamental, que incide sobre as denominadas normas de conduta, tem em vista a tutela dos direitos e interesses dos investidores e consumidores de produtos e serviços financeiros, sendo orientada no sentido de:


i) Estabelecer e supervisionar os deveres de informação aplicáveis às instituições financeiras e aos emitentes;

ii) Estabelecer regras de conduta aplicáveis aos agentes do sector financeiro e supervisionar o seu cumprimento;

iii) Estabelecer regras sobre governance e responsabilidades fiduciárias e garantir o seu cumprimento.

Deste modo, a prossecução dos objectivos de transparência do mercado e de protecção dos investidores e dos consumidores de produtos e serviços financeiros, bem como a supervisão da actuação dos agentes do sector financeiro, são confiadas à dimensão comportamental da supervisão.
O modelo twin peaks de organização da supervisão financeira  procura. assim, facilitar a supervisão dos grupos financeiros numa base consolidada, através da melhoria dos mecanismos de monitorização dos problemas associados ao normal funcionamento dos mercados financeiros (facilitando a respectiva resolução através de regulamentação e de políticas transversais a todo o sistema financeiro); da redução das possibilidades de arbitragem regulatória e das sobreposições de estruturas e serviços (nomeadamente nas áreas de back office); da diminuição de custos por meio da redução estrutural; da eliminação do risco de conflito entre as culturas de supervisão prudencial e comportamental; e, finalmente, através da definição clara das responsabilidades dos supervisores, de modo a reduzir as eventuais lacunas de supervisão ou ineficiências decorrentes da sobreposição de actos de supervisão.




CONCLUSÃO

Actualmente, no plano internacional, a existência de empresas que actuam isoladamente em apenas um dos três subsectores apontados tende a ser uma excepção (também já se verifica entre nós o fenómeno bancassurance, por exemplo).
Assim, é imperioso que existam ligações efectivas e eficazes entre as diferentes autoridades de supervisão de modo a encontrar um modelo que for comum aos três segmentos do sector, mas, claro, assegurando sempre a preservação das competências especializadas em cada uma das áreas supervisionadas, mantendo separado o que assim deva ser mantido, sem negligenciar o elevado grau de especialização do conhecimento necessário para se realizar uma supervisão eficaz em cada sector.
Por fim, importa referir que quando se discute sobre o modelo de supervisão a implementar num determinado mercado financeiro, deve-se ter sempre presente a realidade concreta desse mesmo mercado, porém, é necessário compreender, também, que devido a complexidade e dimensão deste mercado, identificar o melhor modelo de supervisão a aplicar é uma tarefa árdua, que muitas vezes exige testar diferentes modelos na prática e analisar o seu desempenho em diferentes contextos.




Elaborado por: Dr. Elvis Barros




BIBLIOGRAFIA

CORDEIRO, António Menezes - Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 5ª ed., 2015.

FERREIRA, António Pedro A.- Direito Bancário, Lisboa, Quid Juris, 2ª ed., 2009.

MALAQUIAS, Pedro Ferreira/ MARTINS, Sofia/ OLIVEIRA, Catarina Gonçalves De/ FLOR, Paula Adrega - Modelos de Regulação (ou Supervisão) do Sector Financeiro.

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