ISLAMIC FINANCE




















CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO

A Islamic Finance refere-se aos meios pelos quais as instituições financeiras no mundo muçulmano, podem adquirir ou aceder a capital de acordo com a Sharia (direito islâmico que deriva do Alcorão e da Hadith, sendo entendida como a lei infalível de Allah, em contraste com o fiqh, a jurisprudência islâmica, que é a interpretação humana da Sharia) e aos tipos de investimentos que esta permite. Uma forma única de investimento socialmente responsável e onde a divisão entre o espiritual e o secular não existe, daí o seu alcance no domínio das questões financeiras. 
Um elemento central para a banca e para o sector financeiro, é a partilha de riscos como parte da aquisição de capital e evitar a Riba (usura) e Gharar (risco ou incerteza). 
A lei islâmica considera o empréstimo com juros um relacionamento que favorece o credor, que cobra juros à custa do mutuário e uma vez que a lei islâmica vê o dinheiro como uma ferramenta para medir o valor de um bem e não um "activo" em si, esta exige que não se  obtenha receitas a partir de dinheiro (por exemplo, juros sobre crédito concedido). De uma forma mais simples, não se pode ganhar dinheiro a partir de dinheiro. 
Considerado Riba (usura), tal prática é proibida pela lei islâmica (Haram, o que significa proibido), pois, é considerada usurária e exploradora. Em contraste, a banca islâmica existe enquanto uma ferramenta com o propósito de promover os objectivos sócio-económicos do Islão.
Consequentemente, o financiamento compatível com a Sharia (Halal, o que significa permitido) consiste num modelo em que a instituição financeira participa no lucro e nas perdas da empreitada que subscreve. De igual importância é o conceito de Gharar, que é definido como risco ou incerteza e, no contexto financeiro, refere-se a venda de bens ou activos cuja existência não é certa. Exemplos de Gharar seriam a realização de seguros contra um evento que pode ou não pode ocorrer ou derivados utilizados para se proteger contra possíveis resultados, servindo aqui de mecanismo de cobertura de risco. 
Importa referir que o risco deve ser excessivo para que se invalide o contracto, sendo um requisito essencial, num contracto de compra e venda, que a parte que aliena o bem o possua no momento em que se celebra o contracto, uma vez que, de acordo com a Sharia, o alienante ou vendedor não pode vender um bem que ainda não possui (por exemplo, Futuros convencionais não podem ser comercializados sob a alçada da Sharia).



MODALIDADES DE FINANCIAMENTO

O financiamento de capital de empresas é permitido, desde que essas empresas não se ocupem de negócios proibidos pela Sharia, como a produção de álcool, pornografia ou armamento e apenas a determinados índices financeiros que atendam a directrizes especificadas pela Sharia.
 Tomemos  os seguintes exemplos, sem qualquer carácter exaustivo:

No Sector Bancário:

A banca islâmica difere da banca convencional de várias maneiras. Ao contrário dos bancos convencionais que operam com base em empréstimos e empréstimos com taxas de juros pré-determinadas, os bancos islâmicos são financiados por contas correntes que não acarretam juros ou por contas para partilha de lucros do investimento (Profit-Sharing Investment Account, PSIA) onde o titular da conta recebe um retorno que é determinado ex post pela rentabilidade dos bancos. No lado do activo, os bancos islâmicos usam uma série de contratos, tais como vendas com margem de lucro (Murabahah), arrendamento (Ijarah), participação nos lucros (Musharakah e Muḍarabah) e serviços baseados em taxas (por exemplo, Wakalah). 
Todo negócio bancário baseado em venda ou locação financeira deve ter um activo subjacente. Isto está em contraste com o sistema bancário “convencional”, onde a importância do activo reside apenas em termos de garantias de segurança ou de cobertura do risco, mas o activo não é necessariamente parte da operação de crédito.

Assim: 

Mudarabah (Contratos de Partilha de Lucros e Perdas): aqui, depois de acordado com os depositantes, a Instituição Financeira (por norma uma IFB) investe o dinheiro dos investidores e assume uma parte dos lucros e perdas. Assim, a Instituição investe num grupo de fundos mútuos que estejam alinhados com os preceitos da Sharia. Para tal, a Instituição Financeira analisa os balanços das empresas para determinar se qualquer fonte de renda para a empresa é proibida (por exemplo, se a empresa está mantendo uma dívida excessiva) ou se a empresa está envolvida em linhas de negócio proibidas. 
Além de fundos mútuos activamente geridos, passivos existem também baseados em índices tais como o Índice de Mercado Islâmico Dow Jones  e o FTSE Global Islamic Index; 

Musharakah (Parceria e Propriedade de Acções Conjuntas): trata-se de uma parceria de investimento que se assemelha aos investimentos de capital de risco. Aqui, os lucros são distribuídos entre os investidores de acordo com uma fórmula previamente acordada, enquanto que as perdas são determinadas em função do capital investido por cada investidor.  

As estruturas mais comuns de Musharakah:


 a) Saldo Decrescente de Equity (património/capital) compartilhada: Comummente usado para financiar uma compra de imóveis habitacionais, o método de saldo decrescente exige que o banco e o investidor para comprar a casa em conjunto, com o investidor institucional a transferir gradualmente a  sua parcela do capital próprio para o proprietário individual, cujos pagamentos constituem o património do proprietário;

b) Lease-to-Own: este esquema financeiro é semelhante ao saldo decrescente descrito acima, excepto que a instituição financeira coloca a maior parte, senão a totalidade, do dinheiro para a casa e concorda com arranjos com o proprietário para vender a casa para ele no termo de um prazo fixo. Uma parte de cada pagamento vai para a locação e o saldo em relação ao preço de compra da casa;

c) Murabaha: esta é uma acção onde um intermediário compra a casa com título livre e claro para ele. O investidor intermediário então concorda com um preço de venda com o potencial comprador; este preço inclui algum lucro. A compra pode ser feita de forma directa (montante fixo e integral) ou através de uma série de pagamentos periódicos (fraccionado, ou seja, uma amortização sem juros). 
Esta venda de crédito é uma forma aceitável de financiamento e não deve ser confundida com um empréstimo com juros.

- Leasing (Ijarah / Ijara): é o contrato pelo qual  uma entidade - o locador financeiro - concede a outra -o locatário financeiro - o gozo temporário de uma coisa corpórea (móvel ou imóvel), adquirida (ou construída), para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário. Uma condição é que o locador deve possuir o objecto arrendado durante o período da locação. 
Uma variação da locação financeira, a 'ijarah wa' iqtina, prevê  a celebração de um contrato em que o locador concorda em vender o objecto alugado no final da locação com um valor residual predeterminado. Somente o locador está vinculado por essa promessa. O locatário, ao contrário, não é obrigado a comprar o item. É prática recorrente  este tipo de contrato ser combinado com outros (coligação de contratos) para a concretização de esquemas financeiros mais complexos (por exemplo, a combinação da ijarah com um contrato  de musharakah permite ao comprador de um imóvel para habitação financiar a compra ao tornar-se comproprietário do imóvel com o banco, devendo o comprador, simultaneamente, pagar ao banco a renda correspondente ao contrato de ijarah, com o intuito de se tornar o único proprietário do imóvel).

- Forwards islâmicos (Salam e Istisna): são formas raras de financiamento, usadas para certos tipos de negócios e constituem uma excepção ao Gharar
O preço do bem é pré-pago e é entregue em um ponto determinado no futuro (Salam). Ao comprador, é permitido pagar o valor integral no momento da entrega do bem ou efectuar pagamentos periódicos, na medida em que os bens lhe forem entregues (Istisna). Porque há uma série de condições a serem cumpridas para tornar tais contratos válidos, a ajuda de um conselheiro jurídico especializado é geralmente necessária.



No Sector do Mercado de Valores Mobiliários:

Estes são alguns dos veículos de investimento possíveis na Islamic Finance:

- Equities: a Sharia permite o investimento em acções (ordinárias), desde que as empresas não se envolvam  na concessão de crédito, jogos de azar ou produção de álcool, tabaco, armas ou pornografia. O investimento em empresas pode ser realizado através da aquisição de acções ou por investimento directo (private equity). Os académicos islâmicos fizeram algumas concessões sobre empresas permissíveis, como a maioria usa a dívida quer para resolver a escassez de liquidez (eles emprestam) ou para investir dinheiro excedente (instrumentos com juros). 
Um conjunto de filtros exclui as empresas que detêm dívida com juros, que recebam juros ou outros rendimentos impuros ou dívidas comerciais superiores aos seus valores nominais. Uma destilação adicional dos filtros acima mencionados excluiria empresas cuja relação dívida / activo total seja igual ou superior a 33%; empresas com rendimentos de juros "impuros e não-operacionais" iguais ou superiores a 5% ou empresas cujas contas a receber / total de activos seja igual ou superior a 45% ou mais.

· FUNDOS DE RENDA FIXA:

- Fundos de Pensão: os aposentados/pensionistas que querem que os seus investimentos cumpram os princípios do Islão enfrentam um dilema, pois, os investimentos de renda fixa incluem Riba, o que, como já vimos, é proibido. Portanto, tipos específicos de investimento em imóveis, quer directamente, quer de forma securitizada (um fundo imobiliário diversificado), poderiam proporcionar uma renda estável sem se distanciar  dos preceitos da Sharia.

- Sukuk: em um ijara sukuk típico, o emitente venderá o certificado financeiro a um grupo de investidores, que será seu proprietário antes de devolvê-lo ao emitente em troca de um retorno de aluguer predeterminado. Como a taxa de juros de uma obrigação convencional, o retorno de aluguer pode ser uma taxa fixa ou variável indexada a uma referência, como o LIBOR. O emitente compromete-se a recomprar os títulos numa data futura, ao valor nominal.
As Sociedades-Veículo Autónomas (SPV) são frequentemente criadas para actuar como intermediários na transacção.
Um sukuk pode ser um novo empréstimo, ou pode ser a substituição da Sharia à emissão de obrigações convencionais. 


No Sector dos Seguros:

O seguro tradicional não é permitido como um meio de gestão de risco na lei islâmica. Isso porque constitui a compra de algo com um resultado incerto (forma de Gharar) e porque as seguradoras usam renda fixa - uma forma de Riba - como parte de seu processo de gestão de portfólio para satisfazer passivos.
Uma possível alternativa compatível com a Sharia é um seguro cooperativo (mútuo). Os assinantes contribuem para um cartel de fundos, que são investidos de uma forma compatível com a Sharia. Os fundos são retirados do cartel para satisfazer reivindicações, e os lucros não reclamados são distribuídos entre segurados. Tal estrutura existe com pouca frequência, para que os muçulmanos possam se valer de veículos de seguros existentes, se necessário ou requerido.



O BANCO MUNDIAL E ISLAMIC FINANCE

O envolvimento do Banco Mundial na Islamic Finance está directamente ligado aos esforços do Banco no combate a pobreza, em ampliar o acesso ao financiamento, desenvolver o sector financeiro e fortalecer a estabilidade e resiliência do sector financeiro nos países clientes.

Ao ajudar a expandir o uso de modelos de financiamento compatíveis com a Sharia nas operações do Banco Mundial, pretende-se oferecer benefícios aos países clientes em três áreas:

1- O desenvolvimento sustentável da Islamic Fincance oferece benefícios para o crescimento económico, à redução da pobreza e à promoção da prosperidade partilhada. A Islamic Finance pode contribuir significativamente para o desenvolvimento económico, dada a sua ligação directa aos activos físicos e a economia real. A utilização de mecanismos de participação nos lucros e perdas incentiva o apoio financeiro às empresas produtivas que podem aumentar a produção e gerar empregos. A ênfase nos activos tangíveis garante que a indústria apoie apenas transacções que servem a um propósito real, desestimulando, assim, a especulação financeira;

2- A Islamic Finance ajuda a promover o desenvolvimento do sector financeiro e ampliam a inclusão financeira. Ao expandir a gama e o alcance dos produtos financeiros, o financiamento islâmico poderia ajudar a melhorar o acesso financeiro e fomentar a inclusão das pessoas privadas de serviços financeiros. O financiamento islâmico enfatiza o financiamento em parceria, o que pode ser útil para melhorar o acesso ao financiamento para os pobres e as pequenas empresas. Poderia também ajudar a melhorar o financiamento agrícola, contribuindo para melhorar a segurança alimentar. A este respeito, as finanças islâmicas podem ajudar a satisfazer as necessidades daqueles que actualmente não usam financiamento convencional por razões religiosas. Dos 1,6 biliões de muçulmanos do mundo, apenas 14% usam bancos. Ele pode ajudar a reduzir a lacuna global no acesso ao financiamento, uma vez que os não-muçulmanos não estão proibidos de usar os serviços financeiros;

3- Ajuda a fortalecer a estabilidade financeira. Enquanto que a crise financeira global de 2008 assolava sistemas financeiros em todo o mundo, as instituições financeiras islâmicas permaneceram relativamente intocadas, protegidas pelos seus princípios operacionais fundamentais de partilha de riscos e evitando a alavancagem e produtos financeiros especulativos.

Apesar do rápido crescimento que se verificou nos últimos anos, a Islamic Finance ainda está em seus estágios iniciais de desenvolvimento (entenda-se aqui, de adaptação aos mercados financeiros modernos) e, é claro, enfrentará diversos desafios. Deste modo, o Banco Mundial tem  prestado apoio aos seus países clientes para fortalecer os fundamentos jurídicos, regulatórios e institucionais de Islamic Finance,  realizando esforços no sentido de promover o uso sistemático e contínuo de conhecimentos relevantes sobre Islamic Finance para que se verifique o uso mundial de instrumentos de financiamento compatíveis com a Sharia. 



CONCLUSÃO

A Islamic Finance é uma prática com séculos de existência (séc. VII) que tem vindo a ganhar reconhecimento mundial e cuja natureza ética (a ausência de juros, a forte proibição da usura e a priorização do bem-estar e desenvolvimento social) atrai o interesse dos não-muçulmanos. 
Actualmente, a Islamic Finance engloba bancos, o leasing, o Sukuk (títulos) e o mercado accionista, fundos de investimento, o Takaful (seguros adequados a Sharia) e micro-finanças, mas o sector bancário e o Sukuk representam cerca de 95% do total dos activos financeiros islâmicos.
Os activos financeiros islâmicos cresceram a taxas de dois dígitos na última década, passando de cerca de 200 biliões de USD em 2003 para 1,8 triliões de USD no final de 2013. Por exemplo, a banca islâmica superou a banca “convencional” na última década, aumentando sua taxa de penetração no mercado para valores acima de 15% em uma dúzia de países no Médio-Oriente e na Ásia. Durante o mesmo período, a emissão de Sukuk aumentou vinte vezes, alcançando a marca dos 120 biliões de USD em 2013 e a sua base de emitentes tem-se ampliado com novas emissões em África, Leste Asiático e Europa.
No entanto, apesar da sua crescente expansão, os activos financeiros islâmicos ainda estão concentrados no Conselho de Cooperação do Golfo (GCC), Irão e Malásia, representando menos de 1% dos activos financeiros globais.
Ainda assim, dado o aumento da riqueza nas nações muçulmanas, é esperado que este campo sofra uma evolução ainda mais rápida, pois, continua a enfrentar (e a solucionar) os desafios de reconciliar os mundos díspares da teologia  e dos mercados financeiros modernos.




Elaborado por: Dr. Elvis Barros.




BIBLIOGRAFIA:



IRFAN, Harris - Heaven's Bankers: Inside the Hidden World of Islamic Finance, Reino Unido, Constable,  ed., 2014.


ARTIGOS:

World Bank- Islamic Finance


The IMF and Islamic Fincance


The Economist- Islamic Finance. Big interest, no interest.



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