MODELOS DE INTEGRAÇÃO DOS SERVIÇOS FINANCEIROS
A INTEGRAÇÃO DOS SERVIÇOS FINANCEIROS
Uma das consequências da evolução do sector financeiro é a integração progressiva dos serviços financeiros devido a uma diversificação funcional (desenvolvida num processo também denominado de difusão estrutural), mediante o entrosamento de sectores cujo campo de intervenção estava anteriormente bem definido e segmentado (bancário, segurador, valores mobiliários), visando o reforço da eficiência, através da redução de preços e de custos, bem como o desenvolvimento de mais e melhor inovação de produtos disponibilizados à clientela.
Em termos gerais, entende-se isto como a produção e/ou distribuição de um produto ou serviço financeiro normalmente associado a um dos três principais sectores financeiros, por uma entidade integrada noutro sector financeiro, podendo tal integração ocorrer: ao nível do fornecimento, da produção ou a nível consultivo.
· Ao Nível do Fornecimento:
A integração a nível do fornecimento (onde se encontram os veículos de colocação de produtos e serviços financeiros ao dispor da clientela) apresenta uma maior riqueza conceptual e uma maior densidade dogmática do que os outros níveis de integração, atendendo à diversidade de que se reveste, em termos de estruturação de procedimentos. Assim, desta maior riqueza e densidade compreende-se o facto de ser um processo que tem assumido designações diversas (bancassurance, assurbanking, assurfinance, financial services), as quais, reportando-se à mesma realidade conceptual e tendo mesmo, genericamente, aparecido em simultâneo, ainda assim apresentam já especificidades que justificam alguma autonomização.
· Ao Nível da Produção:
A integração dos serviços financeiros através da produção dá-se quando à uma entidade de um sector financeiro é permitido criar - pela entidade reguladora - e comercializar produtos e serviços que contenham elementos característicos de produtos e serviços de outro sector de serviços financeiros.
· Ao Nível Consultivo:
A integração dos serviços financeiros a nível consultivo ou do aconselhamento, por sua vez, não implica qualquer convergência pelo lado de fornecimento, nem mesmo uma cooperação, uma vez que se traduz na simples prestação de um serviço de aconselhamento que visa, por exemplo, proporcionar à clientela opções multifacetadas em termos de serviços financeiros.
Assim, atendendo aos níveis acima descritos, a integração de serviços financeiros pode ser concretizada pela adopção de determinados modelos, nomeadamente, os modelos de bancassurance (perspectiva bancária), o de assurbanking (perspectiva seguradora) e o all finance, que serão referidos na exposição subsequente.
OS MODELOS DE INTEGRAÇÃO DOS SERVIÇOS FINANCEIROS
1. O Modelo Bancassurance
O modelo de bancassurance foi o primeiro a apresentar-se com uma estruturação própria de diversificação funcional da actividade financeira, correspondendo a uma resposta estratégica dos bancos à concorrência dos outros intervenientes no mercado financeiro.
Por isso o conceito é definido como um esforço conjunto dos bancos e das seguradoras para a prestação de produtos e serviços de seguros à carteira de clientes dos bancos.
O conceito de bancassurance tem sido estudado segundo diferentes abordagens:
- Para uns, a ênfase do conceito deve ser colocada na diversidade de actividades que, tanto na vertente bancária como na vertente seguradora, são susceptíveis de o integrar: produção, distribuição, marketing, procura pelo consumidor e consumo;
- Para outros, a tónica do conceito está nos aspectos organizacionais, podendo-se assim defini-lo como a integração ou combinação do fornecimento de serviços oriundos de três grupos distintos de organizações económicas: o grupo bancário, em sentido lato; o grupo das caixas de poupança vocacionadas para o crédito imobiliário ou à construção; e o grupo dos seguros, do ramo vida como do ramo não-vida;
- Para outros, finalmente, o conceito traduz simplesmente a integração da distribuição de serviços financeiros diversificados.
É possível sintetizar o essencial desta estratégia de prestação de serviços e de fornecimento de produtos financeiros a uma ideia de diversificação de actividades, visando uma integração da produção, distribuição e procura de produtos financeiros pelos clientes particulares e pelas pequenas entidades empresariais.
A definição abrangente de bancassurance permite, por outro lado, a adopção de diversos métodos de concretização, cuja escolha, em cada caso concreto, pode depender de diversos factores: seja o enquadramento sócio-económico, cultural e regulamentar do mercado considerado, a respectiva infra-estrutura existente ou, até mesmo, a preferência da clientela. Mas a solução mais comum é a de conviverem, num mesmo país, diversos modelos de negócios.
De todo o modo, é através da definição do nível de integração existente entre seguradoras e bancos que pode ser construída, juridicamente, uma classificação geral de métodos bancassurance. No entanto, é necessário referir que uma classificação baseada em critérios legais apenas generaliza a realidade, uma vez que a prática negocial proporciona uma ampla variedade de modelos híbridos, permitindo outras classificações que podem, por exemplo, ser baseadas nas fontes de rendimento dos bancos participantes.
Assim, são normalmente apontados quatro métodos de concretização deste modelo de integração dos serviços financeiros:
1. Acordo de Distribuição
Trata-se do método mais simples, no qual o banco actua como um mero intermediário, disponibilizando produtos de diversas seguradoras e recebendo, como contrapartida, as comissões de distribuição acordadas. A relação estabelecida entre o banco e cada seguradora neste enquadramento pode, ainda assim, ser complementada por uma participação accionista, simples ou cruzada, mais ou menos significativa.
Esta apresenta-se como a solução ideal para os bancos que sentem a necessidade de estarem em condições de oferecer produtos de seguros aos seus clientes mas não podem ou não querem, investir no desenvolvimento interno dessa competência, mas coloca, às seguradoras, o inconveniente sério de não lhes permitir um efectivo controlo sobre o tipo de clientes a quem os produtos são vendidos.
2. Aliança Estratégica
Neste caso, o banco comercializa apenas os produtos de uma dada seguradora, com a vantagem de poder escolher aquela que melhores condições lhe ofereça em termos de, por exemplo, qualidade dos produtos disponibilizados ou imagem de marca.
À seguradora, por sua vez, é garantido o acesso à carteira de clientes do banco, sem esforço financeiro significativo.
Genericamente considerado, este modelo apresenta o inconveniente de manter níveis baixos de integração entre o banco e a seguradora, dado ambas as instituições continuarem a exercer a sua actividade como entidades separadas.
3. Iniciativa em Comum/ Joint Venture
Neste método, o banco e a seguradora constituem conjuntamente uma seguradora ou distribuidora de produtos de seguro, através da criação de uma nova entidade, por vezes mesmo reforçando a respectiva colaboração por meio de partilha estratégica de acções. Essa entidade distribui os respectivos produtos exclusivamente por intermédio da rede bancária do banco interventor.
Esta solução apresenta a grande vantagem de proporcionar parcerias fundadas em processos decisórios construídos em comum e de permitir aos participantes a concentração de energias nas respectivas áreas específicas de negócio.
4. Conglomerado Financeiro (Financial Services Group)
Trata-se, agora, de um método cuja estrutura assenta na agregação de uma seguradora e de um banco, gerindo as respectivas actividades tipicamente sob uma marca comum.
Esta solução permite, potencialmente, uma integração completa de operações e sistemas; aumenta a probabilidade de influenciar a carteira bancária de clientes existente; permite a criação de um sistema de disponibilização integral de serviços financeiros aos clientes; aumenta a possibilidade de desenvolvimento de produtos financeiros totalmente integrados.
Porém, este método apresenta, naturalmente, alguns riscos, tais como os de arbitrariedade regulatória, contágio, falta de transparência e abuso de poder económico.
Por fim, importa referir que o desenvolvimento deste modelo está sujeito a um conjunto de factores de relevo para que se possa concretizar, entre os quais se pode destacar a necessidade do apoio de um adequado regime regulador. Outros factores que também são apontados: a facilidade de acesso, permitido por este modelo às seguradoras, à carteira de clientes do banco, com especial vantagem para as empresas estrangeiras tentando penetrar novos mercados; à fonte suplementar de rendimento proporcionada aos bancos, tanto por via das comissões como por via dos acordos de partilha de lucros; ao tratamento fiscal mais favorável dispensado, em muitos países, aos produtos de poupança a longo prazo; à simplificação e normalização dos produtos de seguros comercializados através da rede bancária; à força relativa dos canais alternativos de distribuição; e, finalmente, ao grau de integração operacional existente entre o banco e a seguradora.
2. O Modelo Assurbanking
O modelo assurbanking pode ser definido como o processo de venda de produtos bancários por seguradoras, através de canais de distribuição seguradores ou no quadro de estruturas comuns com instituições bancárias.
Este modelo tem-se assumido como o reverso do modelo bancassurance ou, sob um prisma diferente, como a contra-ofensiva da indústria seguradora à invasão do seu ambiente de negócio por parte das entidades bancárias.
Porém, a situação de facto vem demonstrando que as seguradoras têm desempenhado um papel menos relevante como agentes de produtos bancários, quando se compara este modelo com o modelo de bancassurance, que se mostra muito melhor sucedido.
Este modelo apresenta, ainda, alguns constrangimentos que se podem agrupar em duas grandes vertentes, uma relativa às restrições reguladoras e outra respeitante às estruturas de distribuição.
Quanto ao aspecto regulador, verifica-se que os bancos podem comercializar produtos de seguros sem grandes barreiras regulatórias, no entanto, o mesmo já não se verifica relativamente às seguradoras, que têm maiores dificuldades em atrair as poupanças do público ou em operar como instituições monetárias.
No que se refere às estruturas de distribuição, vários factores de bloqueio têm sido identificados: as seguradoras são vítimas da sua falta de imagem enquanto fornecedoras de produtos bancários; não têm a mesma relação próxima com a clientela (os tomadores de seguros), que caracteriza a relação das instituições bancárias com os seus clientes, uma vez que operam, em muitos países, através de redes independentes de agentes e corretores e não alcançam directamente, por isso, os respectivos clientes finais; as redes bancárias são mais visíveis e melhor distribuídas no mercado; os agentes de seguros necessitam de ganhar uma maior experiência e motivação na venda de produtos bancários; e, finalmente, os bancos já possuem a arquitectura de tecnologias de informação necessária à distribuição de produtos de seguros (em especial, do ramo vida), enquanto as seguradoras necessitam construir, desde o início, uma arquitectura própria para o efeito inverso e, por isso, amortizar o inerente investimento em pesados sistemas de apoio de retaguarda para as suas operações bancárias.
3. O Modelo All Finance
As tendências mais recentes parecem apontar no sentido da definição de estratégias de distribuição de produtos e serviços financeiros que não se limitem à simples dicotomia bancassurance/assurbanking, mas que abranjam todas as alternativas possíveis de distribuição. Isto tem como base o propósito de desenvolver um sistema integrado de distribuição, através do qual os clientes podem seleccionar o canal distributivo que pretendam, de acordo com as suas conveniências específicas: o banco, quando estejam em causa produtos financeiros ou produtos de seguros simplificados; o agente ou corretor de seguros, quando o cliente sinta necessidade de acompanhamento e aconselhamento mais personalizados; ou, mesmo, a própria entidade financeira, quando o cliente pretenda um contacto mais directo com o fornecedor dos produtos ou serviços.
A definição desta estratégia prende-se, com uma reconsideração da própria essência negocial (core business) das entidades envolvidas, na tentativa de encontrarem respostas estratégicas adequadas ao novo contexto em que se vem desenvolvendo o exercício da actividade financeira, cada vez mais apostada em atender às necessidades específicas e aos desejos da clientela.
Deste modo, as definições tradicionais da generalidade dos serviços financeiros e de seguros têm-se baseado em critérios técnicos e em barreiras sectoriais de carácter institucional, mas a discussão sobre essência do negócio das instituições financeiras vem revelando que as reais necessidades de mercado não estão, muitas vezes, em concordância com a tradicional concepção dos produtos.
As complementaridades temporais e espaciais verificadas entre os diversos produtos de natureza financeira criam incentivos naturais ao respectivo cruzamento e agregação e, por outro lado, a integrações inovadoras, corporizadas na criação de novos lotes de serviços resultantes de desagrupamentos de produtos tradicionais clássicos e de reagrupamentos estruturados de acordo com as efectivas necessidades de mercado.
A diferenciação entre as diversas formas de constituição de lotes de serviços pode ser estabelecida recorrendo a três critérios fundamentais:
a) Um critério relacionado com o nível de customização e de integração entre diversos produtos e serviços envolvidos;
b) Um critério relativo ao grau de experiência subjacente, por parte do fornecedor relativamente a cada um dos produtos e serviços considerados;
c) Um critério respeitante ao valor acrescentado de que o cliente beneficia, finalmente o objectivo essencial dos procedimentos em causa.
A combinação destes critérios permite identificar duas soluções, uma genérica e outra mais abrangente:
Na primeira, detecta-se uma solução de "venda cruzada" (cross-selling) com um reduzido grau de customização e de integração, não prosseguindo uma estratégia de envolvimento de diferentes especializações e apresentando um baixo valor acrescentado, típica de uma estratégia apostada apenas no aumento da dimensão do volume de negócios segundo uma perspectiva de mercado transaccional.
Já na segunda, detecta-se uma solução de "serviços totalmente integrados", com elevados graus de customização e de integração, envolvendo diversas especializações e apresentando um elevado valor acrescentado para o cliente. O fornecedor aposta, com esta estratégia, no fornecimento de produtos e serviços complementares, personalizados segundo perspectivas de longo prazo ou construídos em função de necessidades ou ocorrências específicas. Está em causa, nesta abordagem, uma perspectiva de mercado relacional, construída sobre a lealdade da clientela.
Detecta-se, ainda, no intervalo entre estas soluções, diversos tipos e modelos de agregações (packaging) de produtos e serviços financeiros, apresentando vários níveis de customização, de integração, de especialização e de valor acrescentado, donde resulta que os modelos de bancassurance e de assurbanking se apresentam como simples estratégias de "venda cruzada" de produtos e serviços financeiros.
CONCLUSÃO
As autoridades reguladoras têm um árduo trabalho de acompanhamento e fiscalização do exercício da actividade financeira pela frente, nomeadamente, o de identificar e sanar os focos de inoperância e de quebra de exigência que, tanto quanto foi já possível identificar, também terão estado na origem da situação actualmente enfrentada por diversos sistemas financeiros.
No entanto, estas devem ter em conta que factores como o crescimento da procura de produtos de seguros, especialmente no ramo vida, como consequência do aumento da esperança de vida humana e dos impactos por tal facto produzidos nos sistemas de previdência social, cada vez mais acossados pelo aumento dos encargos financeiros daí resultantes, situação que demonstrou e continua a demonstrar a insuficiência e inadequação dos sistemas previdenciais tradicionais suportados pelo Estado, o que estimula a procura de meios de previdência integrativa pelos cidadãos.
Outro factor, ainda, que as autoridades reguladoras devem ter em conta, é a crescente internacionalização e concentração do exercício da actividade financeira, que levam a um conjunto de mudanças estruturais, funcionais e organizativas que influenciam decisivamente a postura das instituições financeiras no exercício da sua respectiva actividade, que se vêem forçadas a encontrar estratégias competitivas que possam constituir uma resposta adequada às mudanças verificadas do lado da procura e do lado da oferta, agora essencialmente orientadas para a satisfação das necessidades da clientela.
Elaborado por: Dr. Elvis Barros
BIBLIOGRAFIA:
ANTÓNIO, Pedro A. Ferreira- Direito Bancário, Lisboa, Quid Juris, 2ª ed., 2009.
Berger, Allen N. - The Integration of the Financial Services Industry: Where are the Efficiencies?, FEDS Paper No. 2000-36.
TEUNISSEN, Mark- Bancassurance: Tapping into the Banking Strenght. The Geneva Papers on Risk and Insurance vol.33, Palgrave Macmillan Journals, 2008.
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