CAPITAL DE RISCO
















CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO 

Caracterizam-se como de capital de risco as operações de financiamento ou aquisição de empresas, envolvendo uma influência na gestão e assumpção do risco da empresa adquirida ou financiada tendo em vista a valorização e posterior alienação das participações detidas. O legislador nacional define capital de risco como a aquisição, por período limitado, de instrumentos de capital próprio e de instrumentos de capital alheio em sociedades em desenvolvimento, como forma de contribuir para o seu desenvolvimento e beneficiar da respectiva valorização (art. 2.º/1 da Decreto Legislativo Presidencial nº 4/15 de 16 de Setembro, Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo de Capital de Risco [RJOICCR]).
Ainda, para efeitos de delimitação temática, importa referir que, em termos instrumentais, o capital de risco envolve também a prestação de serviços de assistência no aprimoramento, na reorganização, na promoção ou na racionalização da estrutura e actividade empresarial (cfr. o art. 7.º/4 do RJOICCR).
Originalmente, esta técnica envolveria unicamente investimentos em participações sociais - daqui teria resultado, aliás, a expressão anglo-saxónica private equity- mas hoje o capital de risco cobre uma realidade diversificada, cabendo aqui:

- Venture Capital e Growth Capital:  apoio à criação ou desenvolvimento de empresas, com participação activa na gestão, distinguindo-se do private equity, que tende a não implicar uma gestão directa;

- Seed Capital: capital para financiar projectos/ideias com possibilidade de transformação em empresas;

- Start-up: capital para apoio no início da actividade empresarial;

- Rescue/Turnaround: capital para empresas em dificuldade;

- Replacement Capital: capital para a substituição de accionistas na aquisição de parte ou totalidade;

- Expansão: capital para apoiar o desenvolvimento do negócio actual e de novas áreas de negócio;

- Buy.out (ou Management Buy-out): aquisição do domínio de empresas para efectuar alterações na gestão;

- Leverage Buy-out: uma modalidade de buy-out, aqui verifica-se a aquisição com alavancagem financeira normalmente garantida pelos activos da empresa.

Para uma caracterização destas operações, deve esclarecer-se estar definitivamente superada a ideia de que o capital de risco apenas realiza investimento em empresas de pequena dimensão.
A dimensão da empresa financiada não constitui, assim, elemento tipológico para a delimitação do capital de risco.



TIPOS DE INSTITUIÇÕES DE CAPITAL DE RISCO

No RJOICCR, são previstas e reguladas três tipos de instituições de capital de risco, às quais este se refere como organismos de investimento colectivo especiais, os Organismos de Investimento Colectivo de Capital de Risco (OICCR), que são:

1) Fundos de Investimento de Capital de Risco (FCR): são uma modalidade de fundos de investimento mobiliário fechados. O RJOICCR veio impor uma diferenciação entre FCR cujas unidades de participação (UP) se destinam a ser negociadas unicamente junto de investidores institucionais (FIQ/FIIN) e FCR cujas UP se destinam a ser comercializadas junto do público (FCP).
A gestão de FCR só pode ser exercida por entidades legalmente habilitadas para a gestão de Organismos de Investimento Colectivo/OIC (art. 13.º do RJOICCR).


2) Sociedades de Investimento de Capital de Risco (SCR): nos termos do regime nacional, as SCR são sociedades anónimas sujeitas ao regime do Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo (RJOIC) e em matéria referente ao aumento de capital, estão sujeitas ao que dispõe a Lei das Sociedades Comerciais (LSC). Uma vez que se tratam de OIC sob forma societária, estas integram o conceito de sociedade de investimento disposto no art. 2.º/28 da Lei de Bases das Instituições Financeiras (LBIF).


3) Investidores de Capital de Risco (ICR): formalmente, os ICR são um subtipo societário, organizando-se como sociedades unipessoais anónimas (art. 37.º/1 do RJOICCR e art. 17.º/2 h) da Lei das Sociedades Unipessoais), o que faculta a limitação de responsabilidade do sócio único. O sócio único, por seu turno, deve ser pessoa singular (art. 37.º/2 do RJOICCR). Os ICR assemelham-se ao que nos ordenamentos anglo-saxónicos são designados de business angels ou angel investors.


Embora a legislação angolana não preveja este tipo de instituições de capital de risco, atendendo a natureza da sua actividade, podemos encontrar, ainda, os seguintes tipos de instituições de capital de risco:

I) Instituições de Empreendedorismo Social: a actividade destas instituições envolve a aquisição, por período de tempo limitado, de instrumentos de capital próprio e alheio em sociedades que desenvolvem soluções adequadas para problemas sociais, com o objectivo de atingir incidências sociais quantificáveis e positivas;

II) Instituições de Investimento Alternativo Especializado: nestas, verifica-se a aquisição, por período limitado, de activos de qualquer natureza, que não estejam cobertos pelo conceito de capital de risco. Os organismos de investimento alternativo especializado, devido a sua especial complexidade, em alguns ordenamentos jurídicos, tendem a ser comercializados apenas junto de investidores qualificados (ex: Portugal).




O CAPITAL DE RISCO COMO OPERAÇÃO

O capital de risco representa uma operação de investimento temporalmente limitada. Desdobra-se num conjunto de actos jurídicos e materiais para a concretização das finalidades de financiamento. Postula, por isso, tradicionalmente, um ciclo temporalmente finito de investimento, envolvendo sucessivamente:

- Uma fase preparatória;

- Uma fase de negociação do quadro contratual associado ao investimento;

- A aplicação do programa de investimento;

- O desinvestimento.

Os preliminares da operação reconduzem-se à detecção da oportunidade de negócio (originação) e o desenvolvimento do plano de negócio. Segue-se a negociação dos contratos associados à operação: contratos de transmissão ou subscrição de participações sociais, contratos de financiamento, alterações aos estatutos, acordos parassociais e documentos negociais adjacentes.
A negociação do investimento pode envolver diversas instituições de capital de risco, como co-financiadoras (club deals). Atente-se, porém, que a legislação nacional impõe uma proibição sobre as SCR, ICR e FCR , nomeadamente quanto" a aquisição e co-investimento com a entidade gestora de outros organismos geridos pela mesma entidade gestora ou pessoas e entidades relacionadas com a entidade gestora, incluindo membros dos órgãos sociais e colaboradores da entidade gestora" (cfr. art. 8.º nº1 e) do RJOICCR). Mas esta norma parece-nos algo confusa, uma vez que não faz referência a relação entre estes OICCR e a entidade gestora referida na norma, pois, não refere se a proibição é aplicável quando se trate da sua entidade gestora ou quando se trate de uma entidade gestora diferente, especialmente no caso dos FCR.
Lateralmente, pode haver injecções de fundos nas instituições de capital de risco, por via de contratos de financiamento, aumentando a alavancagem (leverage) das operações.
O desinvestimento, por seu turno, pode concretizar-se através de uma alienação de participações sociais directas em mercado. Quando envolve uma alienação a outra instituição de capital de risco (private to private transaction), diz-se estarmos perante uma transacção secundária (secondary).
Ao implicar uma influência na empresa visada, o capital de risco introduz tendencialmente uma maior disciplina de gestão nas empresas em que investem.

É, ainda, usual apresentar as operações de capital de risco como antinómicas em relação as operações no mercado de valores mobiliários, uma vez que tipicamente aquelas não envolvem captação de fundos junto do público. Todavia, as relações entre as duas técnicas de financiamento têm vindo a aumentar.
Neste contexto, importa notar que o capital de risco está associado ao Direito dos Valores Mobiliários por diversos modos. A um tempo, as instituições de capital de risco são emitentes de valores mobiliários e investidores institucionais. A consumação da operação de investimento, por seu turno, pode supor a emissão de valores mobiliários pela empresa financiada (acções ou obrigações convertíveis em acções).
A outro tempo, as instituições de capital de risco cumprem funções relevantes de financiamento, através de técnicas diversas. Uma vez que o financiamento do capital de risco é por natureza temporário, o ciclo do capital de risco por vezes implica, na fase de aquisição, operações de saída de mercado, mas na fase de desinvestimento, pode envolver operações de admissão ao mercado.
A relação entre financiamento no mercado mobiliário e o financiamento através de capital de risco é, nestes termos, basicamente complementar.




CONCLUSÃO

O capital de risco constitui uma alternativa ao financiamento de projectos empresariais através da banca. Por esse motivo, em termos comparatísticos, a actividade do capital de risco é usualmente objecto de intervenções regulatórias ligeiras, como um mecanismo estimulador da actividade.
Trata-se de uma área que se revela, em contrapartida, e em termos tendenciais, uma influência significativa de modos de auto-regulação (embora no plano nacional, ainda não tenhamos tido a oportunidade de observar grande desenvolvimento neste sentido, uma vez que ainda não se trata de uma área muito desenvolvida entre nós).
Dada a sua ligação ao empreendedorismo e ao financiamento do tecido empresarial, ciclicamente é travada a discussão sobre a abordagem regulatória do capital de risco.
Nota-se, de um lado, um apelo a maior transparência dos documentos de prestação de contas, pois, não é o que se verifica em algumas jurisdições (ex: EUA) e, de outro lado, o capital de risco é usualmente associado a um tratamento fiscal mais favorável, para premiar o risco subjacente a estas empresas. Não falta, porém, quem considere esta abordagem apenas justificada para empreendimentos  de pequena e média dimensão e não já para aquisições de elevados montantes (uma combinação entre esta última abordagem, ainda que venha a contemplar casos excepcionais para determinados tipos de aquisições de elevados montantes [por exemplo, quando esta revele, de forma comprovada, que possui importância/utilidade pública significativa, não estando, para isso, necessariamente atrelada ao aparelho Estatal para adquirir esta relevância] e um sistema de transparência verdadeiramente funcional parece-nos ser a melhor estratégia para atrair e monitorizar este tipo de capital para o sub-sector nacional).

Em tom de remate, importa referir, também, que no concernente ao regime fiscal e aos depositários, estes, para além daquilo que o RJOICCR refere, estão sujeitos ao regime aplicável aos OIC, nomeadamente o Regime Fiscal dos Organismos de Investimento Colectivo (RFOIC) e o RJOIC, sendo o RJOIC o regime remissivo principal (sendo seguido pela LSC e pela LSU) dos OICCR.



Elaborado por: Dr. Elvis Barros




BIBLIOGRAFIA


CÂMARA, Paulo- Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra,  Almedina, 3ª ed., 2016.

LEITÃO, José Luís; MORAIS, Jorge Alves e RESENDE, Maria Adelaide- Produtos Bancários e Financeiros, Lisboa, Publicações Europa-América, 2ª ed., 2011.



LEGISLAÇÃO

Decreto Legislativo Presidencial nº 7/13 de 11 de Outubro- Regime Jurídico dos Organismos de Investimento Colectivo. (RJOIC)


Decreto Legislativo Presidencial nº 1/14 de 13 de Outubro- Regime Fiscal dos Organismos de Investimento Colectivo. (RFOIC)

Lei nº 1/2004 de 13 de Fevereiro- Lei das Sociedades Comerciais. (LSC)

Lei nº 12/2015 de 17 de Junho- Lei de Bases das Instituições Financeiras. (LBIF)

Lei nº 19/12 de 11 de Junho- Lei das Sociedades Unipessoais (LSU)


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