CASH POOLING




CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO

Os sistemas de cash pooling são mecanismos de gestão centralizada de tesouraria e têm como característica comum, a consolidação dos saldos dos credores e dos saldos dos devedores das diversas empresas de um grupo num saldo único junto de determinada instituição bancária.
A implementação de um sistema de cash pooling pressupõe, em primeiro lugar, um acordo (que normalmente revestirá a natureza de mandato) tendente à gestão centralizada de tesouraria entre sociedades participantes, incluindo a entidade centralizadora, no qual se define:

i) - a entidade centralizadora e as entidades participantes;

ii) - as regras e procedimentos de gestão de tesouraria a serem acordados com as instituições bancárias e, designadamente, se os excedentes serão meramente consolidados para efeitos de cálculo de juros (notional cash pooling) ou se haverá uma efectiva transferência dos fundos (zero balancing);

iii) - a cobertura das necessidades das sociedades do grupo através de transferências efectuadas pela entidade centralizadora;

iv) - eventualmente, convenciona-se também a responsabilidade da empresa gestora pela negociação de recursos e a aplicação de excedentes globais, entre outras cláusulas possíveis.

Em segundo lugar, é necessário um acordo de diversas sociedades com o banco pelo qual este obriga a realizar as transferências, tipicamente em nome e por conta das mesmas (nos termos próprios de um mandato).
Pode ainda existir, um contrato de crédito bancário, embora as sociedades participantes obtenham geralmente fundos a partir dos  excedentes de tesouraria de outras empresas do grupo, não fica excluída a hipótese de estes procederem de crédito negociado de forma global com a entidade bancária, que normalmente exigirá a previsão da responsabilidade solidária das diferentes empresas partes no acordo.
Deste modo, o contrato de gestão centralizada de tesouraria apresenta uma estrutura e uma natureza complexas, surgindo como contrato "quadro" a se, com elementos do depósito irregular e do mútuo, socialmente típico, ainda que legalmente atípico. Este envolve, pelo menos:

i) - A abertura de conta junto de um banco e, nesse âmbito, a realização de depósitos bancários;

ii) - A ordem de transferência (forma de mandato), que implica o estabelecimento de uma relação de conta-corrente ao nível do grupo;

iii) - Transferências singulares de liquidez, que revestem a natureza de empréstimos, apesar de a sua autonomia se diluir devido à inserção no contrato mais vasto de cash pooling;


iv) - Acessoriamente, é possível ainda abranger um acordo de crédito com o banco.



MODALIDADES

É possível distinguir duas modalidades de cash pooling:

1) Notional ou Virtual Cash Pooling- nesta, calcula-se um saldo virtual, por agregação dos saldos das diversas contas bancárias (saldo único consolidado), e, para efeitos de apuramento dos juros (devedores e credores), apenas releva o saldo líquido do grupo: as sociedades participantes que estabeleceram a relação contratual com o banco mantêm a titularidade das suas contas bancárias mas contratam com este a consolidação dos saldos, positivos e negativos, para efeitos de cálculo dos juros. Também mediante acordo das sociedades participantes, os juros são debitados ou creditados à entidade  centralizadora, que os reparte pelas diversas sociedades participantes proporcionalmente aos saldos de partida, actuando em nome e por conta das sociedades intervenientes.

2) Cash Concentration ou Zero Balancing-  aqui, procede-se diariamente a uma efectiva transferência "física" de fundos das "sub-contas" (junior accounts) das diversas sociedades para uma única conta bancária (master account), detida normalmente pela empresa-mãe ou por uma holding ou sociedade de financiamento criada para o efeito (cash pool leader ou sociedade operadora ou centralizadora), apurando-se um saldo único, ao qual se debitam ou creditam juros.
As contas de todas as entidades incluídas são levadas a "zeros" no final de cada dia útil, através das referidas transferências (zero balancing). Podem, igualmente, ser fixados limites inferiores e máximos aos saldos de cada conta bancária compreendia na gestão centralizada, com vista a manter determinado nível de liquidez do grupo, sem que seja aplicada a regra de transferências de fundos para e da conta global (flexible balancing).

As vantagens do sistema, que constitui importante instrumento de optimização de liquidez no grupo, são conhecidas, sobretudo quando alcançada determinada dimensão mínima:

- Obtêm-se economias de escala;

- Reduzem-se os custos do recurso ao crédito bancário;

- Obvia-se ao desequilíbrio da liquidez, evitando-se a presença de sociedades com excesso (cash positive) e  outras com falta de liquidez (cash negative) e a necessidade de estas últimas recorrerem ao sistema bancário;

- Promove-se um aumento da transparência e um controlo acrescido sobre a gestão do grupo.

Pelo prisma inverso, os riscos para a sociedade, para os sócios minoritários e para os credores externos são também acentuados:

- as transferências diárias privam as subsidiárias participantes de meios líquidos, sendo estes substituídos por pretensões de restituição contra a empresa-líder, que não asseguram igual liquidez;

- as sociedades passam a partilhar o risco de liquidez das restantes participantes no sistema, pondo em causa a sua independência financeira.



DESAFIOS

Compreende-se o grande alcance prático do tema da admissibilidade do cash pooling, particularmente a modalidade de cash concentration, na qual ocorre a concessão/obtenção de crédito. O impacto do próprio notional cash pooling não pode ser desvalorizado. Este não deixa, na verdade de suscitar dificuldades, devido à transferência que opera de vantagens entre sociedades do grupo.
As entidades que apresentam saldos credores ou positivos "cedem" juros àquelas que apresentam saldos devedores ou negativos, uma vez que o banco corrige os juros em função do saldo bancário global.
No entanto, por nela ocorrerem efectivas transferências de liquidez intra-grupo, o estudo da modalidade cash concentration parece-nos ser particularmente interessante.
Este modelo em particular, exige um acordo entre as diversas empresas afiliadas nos termos do qual estas se obrigam a transferir os saldos positivos das "sub-contas" para a conta da sociedade operadora, que assim obtém liquidez das sociedades filhas, ficando estas meramente titulares de um crédito à restituição sobre a operadora: verifica-se, pois, um empréstimo upstream.
No caso de a empresa-filha apresentar um saldo negativo, a empresa operadora põe a "zeros" o saldo da sub-conta e fica titular de um crédito sobre a sociedade participante: existe um empréstimo downstream.
Assim, as transferências, no caso de cash concentration, representam a concessão/ obtenção de crédito intra-grupo upstream ou downstream. Participando diversas sociedades-irmãs, a liquidez circula no grupo também entre estas sociedades, surgindo, pois, materialmente, empréstimos sidestream ou cross-stream.
Note-se, que as operações de tesouraria são centralizadas intra-grupo, sem intermediação da instituição bancária (ainda que os fundos estejam nela depositados), a qual realiza as transferências por ordem genérica das diversas entidades envolvidas. Nestes termos, a relação jurídica estabelece-se necessariamente entre entidades devedoras e credoras do capital e juros, ou seja, directamente entre sociedades participantes e entidade centralizadora.

Poder-se-a, ainda, questionar se é possível a empresa-mãe forçar a subsidiária a concluir o acordo, ao abrigo do art. 491.º da LSC. A questão só se coloca, naturalmente, nos grupos de direito, únicos em que existe um poder jurídico de direcção da filial.
A dúvida é particularmente relevante se considerarmos a restritividade com que a lei aparentemente encara as transferências intra-grupo. O art. 491.º nº 4 da LSC parece estabelecer um limite específico a emissão de instruções cujo conteúdo consista na transferência de bens do activo da sociedade subordinada para outras sociedades do grupo, uma vez que estas dependeriam de "justa contrapartida", ao contrário da regra geral do art. 491.º nº 1 da LSC, que permite a emissão de instruções desvantajosas meramente sujeitas à exigência de importarem vantagens para a sociedade-mãe ou para outra sociedade do grupo, requisito que se encontra inequivocamente preenchido nas situações em análise. Uma interpretação teleológica e sistemática da norma revela, porém, que tal "justa contrapartida" pode, também ela, consistir numa vantagem para a sociedade directora ou para outra sociedade do grupo, não devendo proceder-se à sua apreciação em termos isolados, o que seria contrário ao sistema normativo do art. 491.º e impediria, contra a ratio juris, uma afectação eficiente dos recursos e o consequente acréscimo de rentabilidade do grupo. A autonomização da regra do art. 491.º nº 4 da LSC é, pois, objectivamente desnecessária e injustificada. Nesses termos, a sociedade-mãe pode exercer o seu poder de direcção de forma a obrigar a sociedade-filha a integrar um sistema de cash management centralizado. Valem, apenas, os limites gerais impostos quanto à manutenção da capacidade de sobrevivência económica da filial, para além dos constrangimentos especificamente aplicáveis à concessão de empréstimos aos sócios e, em consequência, aos esquemas de cash pooling.

Finalmente, quanto aos limites aos empréstimos intra-grupo, upstream, downstream e sidestream:

- No caso de admissibilidade dos empréstimos upstream, as dificuldades prendem-se, sobretudo, com a conservação do capital social da sociedade controladora mutuante.
Aqui, deve sublinhar-se que apenas no caso da proibição de assistência financeira, a LSC se ocupa expressamente da possibilidade de a sociedade conceder empréstimos aos accionistas.
Como nos indica o art. 344.º/1 da LSC, "é proibido a uma sociedade conceder empréstimos, pôr à disposição fundos ou prestar garantias para que terceiros subscrevam ou, por qualquer outro meio, adquiram acções próprias (entenda-se, da sociedade concedente)". Na base desta proibição estão razões específicas, não generalizáveis.
Está em causa, aqui, assegurar materialmente  os valores subjacentes à proibição de aquisição de acções próprias (cfr. também o art. 338.º/1 da LSC).
Os principais limites ao empréstimo upstream colocados pelo direito societário geral têm a sua origem no princípio da conservação do capital social, pelo que valem quando a empresa controladora, beneficiária do empréstimo, é sócia da sociedade mutuante.
E no que respeita ao limite geral da conservação do capital. o art. 33.º da LSC proíbe apenas a "distribuição de bens aos sócios" e somente nos casos em que a situação líquida da sociedade for ou se tornar inferior à soma do capital e das reservas que a lei ou o contrato não permitem distribuir aos sócios.

- No caso dos empréstimos downstream, os problemas colocam-se do ponto de vista da qualificação como capitais próprios, rectius da subordinação em caso de insolvência.

- Independentemente do sentido ascendente ou descendente do empréstimo, há que considerar, por outro lado, os limites gerais impostos pela lealdade: a proibição de intervenções aniquiladoras (seja qual for o tipo de grupo) e a exigência de compensação por intervenções desvantajosas (nos grupos de facto).

- Já os empréstimos sidestream suscitam dificuldades logo ao nível da própria LBIF, que literalmente apenas se refere, no art. 10.º nº 2 d), às sociedades que se encontrem em relação de domínio ou de grupo.
O crédito concedido entre sociedades-irmãs ficaria coberto pela cláusula de exclusão apenas quando estas se encontrassem ligadas por contrato de grupo paritário e não, por exemplo, quando as relações horizontais se desenvolvessem no âmbito de um grupo vertical.
Apesar da bilateralidade característica da relação de grupo, nos termos do art. 481.º da LSC, "a sociedade directora forma um grupo com todas as sociedades por ela dirigidas, mediante contrato de subordinação e com todas as sociedades por ela integralmente dominadas, directa ou indirectamente ". Resulta desta norma que relevam não apenas as relações bilaterais entre sociedade-mãe e cada uma das sociedades-filhas, mas também as relações entre as sociedades-irmãs, como os arts. 491.º/2, 492.º/1 e 495.º/1 da LSC comprovam. Também este caso estará, pois, abrangido pela excepção do art. 10.º/2 d) LBIF.
Situação mais problemática surge quando entre a sociedade-mãe e as sociedades-filhas não tenha sido concluído contrato de subordinação nem haja domínio total: inexistindo relação de domínio ou de grupo ficaria, aparentemente, excluída a aplicação do art. 10º/2 d) da LBIF, de tal modo que, ao contrário dos empréstimos upstream e downstream, os empréstimos sidestream estariam vedados por representarem concessão não autorizada de crédito. A conclusão não convence.
O referido art. 10.º pretende, pura e simplesmente, clarificar que o princípio da exclusividade da concessão de crédito não constitui obstáculo às técnicas de gestão financeira centralizada no seio dos grupos. Recorreu, para tanto, a conceitos jus-societários. Os limites que possam existir à concessão de empréstimos sidestream podem resultar das regras gerais do direito das sociedades e do direito dos grupos mas não da sua qualificação como crédito não autorizado: não se descortina, na realidade, fundamento para tratar de forma diversa - e mais desfavoravelmente - o crédito intra-grupo nestes casos, tendo em conta as preocupações da LBIF.




CONCLUSÃO

Ao contrário dos grupos de direito, onde as transacções desvantajosas são admissíveis se existirem vantagens para a sociedade directora ou totalmente dominante ou para outra sociedade do grupo, nos grupos de facto colocam-se exigências adicionais quando está em causa a concessão de crédito a outra sociedade  do grupo (upstream ou sidestream) e, em particular, a participação em sistema de cash pooling.
A privação temporária de liquidez deve, na realidade, ser considerada uma medida desvantajosa, qua a administração da sociedade controlada só pode executar (e a sociedade dominante influenciar) na hipótese de existirem vantagens compensatórias. Assim, compete-lhe assegurar que a participação no sistema de cash pooling acarreta vantagens que possam compensar as desvantagens a eles inerentes, só então sendo lícita a celebração do acordo de gestão centralizada. Deste modo se vê que é de particular importância uma correcta estruturação dos acordos de cash pooling, que designadamente garanta o acesso permanente da sociedade-filha à liquidez necessária e que evite que esta seja contaminada pelos riscos da insolvência de outras sociedades do grupo. Por este motivo, os acordos de gestão centralizada de tesouraria devem prever, nomeadamente, direitos de informação, sendo essencial garantir o reembolso das contribuições efectuadas para o fundo comum.
A prestação contínua de informação actualizada sobre a liquidez das sociedades relevantes, maxime da sociedade-mãe, é, na realidade, instrumento essencial no quadro de semelhante sistema, razão pela qual é comum a inclusão de uma cláusula a prever o fornecimento mensal por esta sociedade, de relatórios e contas relativos à sociedade-mãe e ao grupo como um todo ou, eventualmente, numa base semanal. É ainda imprescindível  assegurar, no contrato, a possibilidade de a sociedade  fazer cessar o acordo no que a si respeita e de ser reembolsada do valor transferido num prazo curto, também convencionado, quando as condições da participação se alterem.
Respeitados os limites gerais da conservação do capital social e o limite último, emergente do princípio da lealdade, da preservação da existência da subsidiária, a realização de empréstimos upstream e a participação em sistemas de cash management centralizados por parte das subsidiárias são admissíveis. São, pois, lícitas as instruções da sociedade-mãe a tanto tendentes.
Nos grupos de facto, considerando as desvantagens acarretadas pela privação temporária da liquidez e, em geral, pela participação em sistema de cash pooling, a lealdade impede o exercício do poder (fáctico) de influência da sociedade-mãe e a prática das operações em causa sempre que não estejam asseguradas vantagens compensatórias correspondentes.
Como nota final, importa ainda referir que independentemente da implementação de sistemas de cash pooling, é frequente, no grupo, a constituição de sociedades de financiamento que assumem a forma de sociedades independentes que exercem as funções financeiras do grupo, podendo organizar-se como sociedades de financiamento puras ou mistas: no primeiro caso, não detêm quaisquer participações noutras sociedades nem exercem actividade de investimento; no segundo, desenvolvem outras tarefas operativas. Particularmente relevante é neste contexto a conjugação das funções de financiamento e de holding, que dá origem às holdings financeiras, que detêm e administram participações noutras sociedades.




Elaborado por Dr. Elvis Barros




BIBLIOGRAFIA


ANTUNES, José Engrácia- Os Grupos de Sociedades, Coimbra, Almedina, 2ª ed., 2000.

DE OLIVEIRA, Ana Perestrelo- Manual de Corporate Finance, Coimbra, Almedina, 2ª  ed., 2017.

FILIPE, Pedro José- Grupos de Sociedades à Luz da Realidade Jurídica Angolana, Coimbra, Almedina, 1ª ed., 2016.

THEISEN, Manuel René- Finanzwirtschaft der Holding, em Holding Handbuch, 4ª ed., Koln, 2004.




LEGISLAÇÃO:

Lei nº 12/2015 de 17 de Junho- Lei de Bases das Instituições Financeiras. (LBIF/LIF)

Lei nº 1/2004 de 13 de Fevereiro- Lei das Sociedades Comerciais. (LSC)



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