CESSÃO FINANCEIRA (FACTORING)
























CONCEITO E CARACTERIZAÇÃO

O contrato de cessão financeira (factoring) é o contrato pelo qual uma entidade - o cliente ou aderente - cede a outra -o cessionário financeiro ou factor - os seus créditos sobre um terceiro - o devedor ou debitor - mediante uma remuneração, devendo ser celebrado por escrito (arts. 2º e 6º do  Decreto Presidencial nº 95/11 de 28 de Abril e art. 8º do Aviso nº 15/2011 de 19 de Dezembro).
Este contrato pode ser estruturado em termos duais e em termos unitários. No primeiro caso, onde  haverá um contrato-quadro que, depois, obrigará a celebrar diversas cessões de créditos.
No segundo, surgirá um único contrato de cessão de créditos futuros.
O contrato de factoring apresenta-se como um contrato organizatório, isto é, um contrato que conduz uma colaboração duradoura entre as partes, com vista à satisfação de interesses respectivos. A cessão financeira integra-se, assim, num domínio heterogéneo, hoje, formado por contratos tão diferentes como o franchising, a concessão, o consórcio e a própria empreitada.
Esta natureza organizatória do factoring explica a intensidade dos deveres de lealdade e de colaboração que dela ressaltam para as partes. Além disso, ela documenta as especiais precauções que acompanham a sua preparação e que precedem ou devem preceder a sua cessação.
O factoring é, ainda, um contrato oneroso (por pressupor contrapartidas), sinalagmático (por as prestações das partes operarem como contrapartida umas das outras), consensual (por não implicar a entrega de qualquer coisa e, ainda, por não estar sujeito a qualquer forma), duradouro (por perdurar no tempo, não se extinguindo com o seu cumprimento) e de conteúdo atípico misto. Quanto a este último, verifica-se que o factoring tem como elementos, uma promessa de venda de créditos futuros, uma assunção de risco e a prestação de diversos serviços.
A cessão financeira é um negócio duradouro, que implica uma relação organizatória. Compreende-se que ela exija um elevado nível de confiança entre os celebrantes. Na fase preparatória, há que trocar informações, sendo que os elementos fornecidos pelo candidato a aderente devem ser verídicos e suficientes, sob pena de culpa in contrahendo. No limite, o próprio contrato de cessão financeira pode ser anulado por erro ou por dolo. Quanto ao factor, em princípio,  este será de confiança uma vez que  se encontra sobre a fiscalização da entidade reguladora (neste caso, o BNA).


CONTEÚDO

Os contratos de factoring tendem a formar-se por adesão, sendo que, em regra, as sociedades de factoring predispõem condições gerais que as partes se limitam a subscrever, embora, possam ser acordados clausulados especiais.
Assim, é possível depreender, então, que este contrato, tal como ocorre com o leasing, é formado por cláusulas gerais dos contratos.
Deste modo, o contrato de factoring compreenderá uma cláusula que preveja a entrega, para efeitos de cessão, de todos os créditos do aderente ao factoring (princípio da globalidade); uma cláusula que preveja o pagamento dos créditos tomados, com ou sem antecipação; uma cláusula que preveja a obrigação de notificar o devedor da cessão operada: uma cláusula relativa ao dever do factor de aceitar os créditos oferecidos; a remuneração do factor e a duração do contrato.
Pode ainda conter cláusulas que restrinjam os créditos a oferecer; cláusulas que regulem o regime de pagamento de créditos e cláusulas que estabeleçam os precisos termos em que o factor deva aceitar os créditos oferecidos; cláusulas remuneratórias (como a comissão de risco e juros pela antecipação); cláusulas que permitam o factoring fechado; cláusulas que pormenorizem os serviços a prestar pelo factor; cláusulas relativas à resolução do contrato por incumprimento; cláusulas de duração, de renovação e de denúncia.
 Em certas modalidades de factoring, podem faltar cláusulas descritas como essenciais. Nesses casos, é conveniente que as partes explicitem-no no contrato.


MODALIDADES

De acordo com as funções presentes nos concretos contratos considerados, é possível distinguir:

Cessão financeira própria, o risco do incumprimento do terceiro devedor transfere-se para o factor. Entre nós, esta modalidade é referida pela lei como cessão financeira sem recurso ou sem direito de regresso (art. 2º e) do Aviso nº 15/2011 de 19 de Dezembro);

Cessão financeira imprópria, o risco não se transfere para o factor, seja porque o factor só pagará ao aderente após boa cobrança do crédito, seja que ele, na hipótese do incumprimento, dispõe de um direito de  regresso contra o próprio aderente. Este, não traduz uma verdadeira cessão de créditos, será, antes, um mútuo com restituição atípica (estruturalmente) ou um mandato. Entre nós, esta modalidade é referida pela lei como cessão financeira com recurso ou cessão financeira com direito de regresso (art. 2º d) do Aviso nº 15/2011 de 19 de Dezembro);

Factoring multi-serviços, tem um núcleo centrado na cessão de créditos com escopo financeiro, normalmente, agregará a transferência do risco e a prestação de diversos serviços;

Factoring de serviços, corresponde ao maturity factoring norte-americano e postula a eliminação das funções financeira e seguradora. O factor limita-se a assegurar a cobrança das facturas do aderente e a prestar-lhe os serviços de contabilidade, de consultadoria e de acompanhamento que tenham sido acordados. Embora, não exista aqui, em rigor, uma cessão de créditos, em termos práticos, as facturas são cedidas, materialmente, ao factor;

Factoring sem serviços, aqui, o factor desempenha, exclusivamente, um papel financeiro.


O factoring, consoante postule, ou não, a notificação ao devedor, há que distinguir:

Cessão financeira aberta,  é notificado ao devedor cada acto concreto de cessão, concluído em execução do factoring;

Cessão financeira fechada, esta não é dada a conhecer a terceiros. Em termos práticos, isso significará que, visto o disposto no art. 583º nº1 do C.C, esta não produzirá efeitos perante o devedor.
Funciona, então, como um esquema financeiro interno entre factor e cliente, além da componente prestação de serviços.
O factoring fechado visa precaver o aderente contra os aspectos psicológicos nocivos que possa ter, na praça considerada, o saber-se da sua "factorização";

Ainda, quanto as cláusulas que o contrato de cessão financeira poderá abarcar, é possível distinguir:

Factoring total ou parcial,  consoante abranja todas as facturas do aderente ou apenas, as de certo tipo. Este será determinado quantitativamente ou qualitativamente. Não sendo total, perde a sua função de aliviar o aderente de serviços de cobranças e de contabilidade;

- Factoring em branco, obriga o factor a aceitar e a pagar ao aderente todas as facturas que este lhe envie;

Factoring selectivo, confere ao factor a faculdade de aprovar as facturas que pague, remetendo as demais para boa cobrança. Neste caso, o factor actuará como simples mandatário do aderente e não como concessionário;

Factoring interno ou internacional, consoante apresente conexões apenas com a ordem interna ou, pelo contrário, também com outros espaços.


VANTAGENS E DESVANTAGENS

A cessão financeira é, antes de mais, uma forma de financiamento, a curto prazo, do aderente ou cedente financeiro. Nessa medida, ela apresenta, entre outras, as seguintes vantagens:

-Confere maior liquidez à empresa: uma vez que faculta a imediata realização das facturas, a cessão financeira dispensa ao aderente meios de pagamento que, de outro modo, só lhe seriam atribuídos dentro de semanas ou meses;

-Incrementa a sua rendibilidade: dispondo de liquidez, a aderente pagará de imediato aos seus próprios fornecedores, conseguindo, com isso, preços mais favoráveis; além disso, pressionada pela própria lógica do factoring, ela tudo fará para colocar no mercado, rapidamente, os seus produtos, de modo a conseguir emitir as almejadas facturas;

-Impulsiona a expansão: numa situação de perfeito equilíbrio, um contrato de factoring irá drenar, atrás das comissões e dos ágios. para o factor, meios monetários que, a assim não ser, ficariam no aderente; num cenário de expansão, porém, os custos do factoring serão repercutidos nas facturas emitidas (para o futuro) e imediatamente liquidadas pelo factor; compreende-se que o factoring interesse a empresas em expansão e , uma vez celebrado, impulsione essa mesma expansão;

-Limita o endividamento:  a empresa "factorizada" não recorre, em princípio, a créditos a curto prazo; liberta, assim, os seus patamares bancários para operações de fundo, como créditos imobiliários, para investimentos em bens duradouros;

-Favorece o balanço: a apresentação das contas da empresa "factorizada" é favorecida pelo factoring: pense-se na diminuição do passivo; a empresa surge mais atraente, no giro comercial;

-Aumenta o fundo de maneio: justamente pelo aumento de liquidez e pela maior rendibilidade, a empresa "factorizada" tenderá a apresentar um fundo de maneio mais amplo.

 A cessão financeira implica, depois - ou pode implicar, em função do clausulado adoptado - a transferência de risco para o factor. Daí resulta, como especial vantagem, a diminuição dos riscos para o aderente.
Assim, o aderente pode elaborar sem a insegurança das facturas não pagas; fica dispensado de recorrer a outros esquemas destinados a enfrentar incumprimentos (seguros de crédito, provisões para incobráveis e especiais assistências jurídico-económicas); o aderente poupa nas medidas de emergência destinadas a enfrentar incumprimentos.
Finalmente, o factoring está crescentemente implicado na prestação de serviços. Nesse domínio, a empresa "factorizada" espera, designadamente, as seguintes vantagens: poder dispensar um departamento de cobranças, passando para o factor todas as tarefas que lhe são inerentes, como o envio da factura ao terceiro, as interpelações e o contencioso; passa para o factor, nos aspectos materiais, a gestão da carteira de clientes; poder dispensar ou aligeirar o departamento de contabilidade;  a avaliação da credibilidade de terceiros devedores é feita pelo factor que , em princípio, está melhor colocado para esse efeito, uma vez que tem conhecimentos, experiência e acesso a informações que lhe permitem uma melhor apreciação;  o factor pode, ainda, dispensar informações sobre o mercado, sobre as suas tendências e sobre potenciais clientes, bem como facilitar o acesso a mecanismos publicitários; no domínio da importação/exportação, o factor pode ter um papel decisivo, quer pelo conhecimento de intermediários, transportadores, transitários, seguradoras e outros serviços de apoio, quer por facilitar a integração no espaço de origem/destino das mercadorias; o factor, em regra, vai integrar-se, ele próprio, num grupo mais amplo, com outros operadores (banca, seguros, sociedades de leasing). O cliente "factorizado" passará a ter um acesso privilegiado aos inerentes serviços do grupo.

No entanto, o factoring não é desprovido de inconvenientes, entre eles:

Custos: no que se reporta a esta matéria, o factoring implica um produto relativamente caro. É necessário pagar a comissão geral ao factor sobre o volume das facturas tratadas, comissão esta, que oscila consoante os países, as empresas, os sectores e as próprias facturas, falando-se de margens entre 1% e 3% e entre 3% a 5%. Depois, computa-se uma margem ou comissão de garantia que funciona como prémio pelo risco assumido pelo factor e que pode, ou não, estar compreendida na comissão acima referida. Há, ainda, que contar com os juros relativos as antecipações de capital (cfr. art. 8º nº 1 do Decreto Presidencial nº 95/11 de 28 de Abril);

- Desvantagens na Gestão: a lógica das sociedades de factoring tenderá a ser financeira e não comercial. A empresa "factorizada" pode ser levada a centralizar os seus produtos, evitando novos mercados, porventura mais avançados mas com riscos. Outra desvantagem para a empresa "factorizada", será a perda de experiências e valências, no tocante à gestão de facturas e dos clientes. Perde a independência negocial perante o factor e uma vez que o factoring é um contrato total e exclusivo, o que se traduz numa associação duradoura entre o factor e o aderente;

- Problemas psicológicos: muitas vezes, por falta de informação, grassa a ideia de que recorrem ao factoring as empresas em dificuldades. Pode, por aí, diminuir a margem de manobra da empresa "factorizada" com perdas, inclusive, para a credibilidade dos seus produtos. Reflexos psicológicos negativos surgem também junto do terceiro devedor. Tendo contratado com uma empresa fornecedora, o terceiro devedor ficará (possivelmente) desagradado quando, para o pagamento, seja interpelado, por uma impessoal sociedade financeira. Além disso, tenderá a agir com uma rigidez formal desagradável.


CONCLUSÃO

Finalmente, importa referir que, apesar dos inconvenientes que levariam o terceiro devedor a optar por uma empresa "normal" no lugar de uma "factorizada", isto não impede a existência de empresas "factorizáveis", sendo que o factoring interessa a: empresas de média dimensão, uma vez que as de pequena dimensão não têm margens de absorção dos custos do factor, enquanto as grandes têm departamentos de cobranças e de contabilidade; empresas equilibradas, pois, os desequilíbrios estruturais ou sérios requerem medidas de saneamento que o factor, que actua apenas a curto prazo e com conhecimentos de gestão limitados, não pode amparar; empresas que operem na área de venda a grosso, já que as cobranças dirigidas a "consumidores finais" ou a pequenos clientes não são rendíveis; empresas com poucos capitais próprios, que escolham a via da expansão; e a empresas em sectores com margens confortáveis, que procurem absorver o acréscimo de custos que implica.




Elaborado por: Dr. Elvis Barros




BIBLIOGRAFIA:

CORDEIRO, António Menezes - Direito Bancário, Coimbra, Almedina, 5ª ed., 2015.

FERREIRA, António Pedro A.- Direito Bancário, Lisboa, Quid Juris, 2ª ed., 2009.

LEITÃO, José Luís; MORAIS, Jorge Alves e RESENDE, Maria Adelaide- Produtos Bancários e Financeiros, Lisboa, Publicações Europa-América, 2ª ed., 2011.


LEGISLAÇÃO:

Decreto Presidencial nº 95/11 de 28 de Abril- Regulamento das Sociedades de Cessão Financeira (Factoring).

Aviso nº 15/2011 de 19 de Dezembro, do BNA- Regula o Contrato de Cessão Financeira.

Código Civil.





















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