AS TÉCNICAS DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS
Excerto do Livro "O SISTEMA ANGOLANO DE PREVENÇÃO DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS"
As técnicas de branqueamento de capitais constituem processos sistematizados e finalisticamente orientados a introduzir no circuito financeiro e económico os proventos ilícitos de forma segura, contornando os limites legais de uma operação suspeita.
A diversidade das técnicas, procedimentos e veículos utilizados para branquear é inquestionável, no entanto, o sistema financeiro tem provado ser o veículo de eleição devido a sua complexidade e diversidade quanto aos produtos e serviços que oferece. Todavia, qualquer sector de actividade económica é susceptível de servir como veículo para operações de branqueamento.
Os avanços na luta contra o branqueamento através do sistema financeiro obrigaram, como é lógico, a uma dupla acção por parte dos agentes branqueadores: o despoletar de novas vias e procedimentos para a utilização do sistema financeiro e a descoberta de novos sectores dentro da actividade económica, conhecidos por sistemas alternativos de remessa, aqueles sistemas de transferência de fundos fora dos canais bancários ordinários (imigração ilegal e tráfico de imigrantes, pombos correios).
A doutrina, a jurisprudência e as forças de inteligência financeira são consensuais quanto à tipologia, diversidade e natureza das técnicas utilizadas pelos branqueadores. Dada a complexidade de que se reveste e a disparidade de operadores, elas dificultam o rastreio, dissimulando as pistas.
São algumas destas técnicas:
a) Fraccionamento
O fraccionamento consiste na divisão do montante global em diversas parcelas inferiores ao limite mínimo exigido para que se possa considerar suspeita determinada operação financeira, diluindo-as em distintas contas bancárias e/ou fundos, fazendo-as convergir numa fase posterior, quer fazendo remessas ao exterior, e um posterior retorno, quer transferindo para distintas entidades dentro do ordenamento jurídico (ou espalhadas por diversos ordenamentos jurídicos), numa clara manobra de dissimulação.
b) Empresas fictícias e empresas de fachada
As empresas fictícias são aquelas que estão formalmente constituídas e materialmente inexistentes, com endereços forjados, imóveis inexistentes ou existentes como propriedades com fins diversos do comercial e, por vezes, na posse de um indivíduo ou entidade inocente.
A empresa de fachada é uma sociedade formal e materialmente existente e participa do processo económico realizando actividades lícitas.
Isto possibilita aos branqueadores operarem sob a imagem de uma actividade legal e idónea.
c) Compras de títulos
Os títulos de variada índole e natureza são livremente negociados e os branqueadores servem-se destas formas abertas de negociação para poderem transformar os proventos ilícitos em títulos representativos de direitos jurídica e legitimamente reconhecidos. Estes podem ser: acções, opções, derivados e títulos de tesouro ou dos bancos centrais.
A negociação em bolsa é particularmente vulnerável, pois, possibilita que o agente efectue inúmeras operações diárias, com lucros e prejuízos que se compensam, transformando-os em proventos “lícitos” provenientes da respectiva aplicação.
d) Venda fraudulenta de imóveis
Mediante clara realização de contrato simulado, no negócio simulado é declarado um valor abaixo do respectivo imóvel, registando-o, e no negócio dissimulado paga-se o preço real.
O agente alega ter realizado benfeitorias no imóvel e revende-o pelo preço real, justificando o provento.
e) Empréstimos fictícios
O agente recorre a uma instituição bancária para obtenção de um empréstimo num determinado montante semelhante ao que já possui algures pelo globo. Do respectivo empréstimo dá de garantia o provento ilícito pré-existente. Negoceia um prazo médio findo o qual não cumpre com a sua obrigação e a instituição financeira avoca para si o objecto da garantia.
O branqueador usufrui, assim, legitimamente do produto do empréstimo.
f) Jogos online (online gaming)
Com o advento das novas tecnologias surgiram novas formas de entretenimento, sendo uma delas os videojogos ou jogos electrónicos. Desde a sua popularização nos anos de 1970 e 1980, com o arcade, as primeiras consolas de videojogos e jogos de computador até a actualidade, estes sofreram inúmeras alterações adaptando-se sempre as tecnologias mais avançadas de que se poderiam dispor. Com isto, como seria de esperar, os videojogos acabaram por se associar as vantagens que a internet proporciona quanto a difusão de informação e de entretenimento, verificando-se hoje a possibilidade de se adquirir pela internet, jogos para as diversas plataformas disponíveis no mercado. Não só os videojogos podem ser adquiridos por esta via, como também muitos destes permitem aos consumidores adquirir acessórios e até mesmo existem sistemas monetários virtuais que proporcionam uma experiência mais imersiva, existindo ainda, jogos que requerem pagamentos periódicos para a manutenção das contas dos jogadores, transacções estas que são feitas online.
Compreende-se então que, todas estas operações podem ser realizadas sem que se tome conhecimento de quem efectivamente as realiza, não obstante de lhe ser associada uma conta-utilizador ou conta-jogador, que não requerem qualquer documentação de identificação que comprove a identidade do utilizador.
Assim, os branqueadores recorrem aos jogos online e às práticas de comércio entre os jogadores inocentes para levarem a cabo a sua actividade, em especial, nos designados Massive Multi-Player Online Role Playing Games (MMORPG) que se têm mostrado um veículo facilitador do branqueamento. Isto envolve, por norma, a abertura de inúmeras contas em diversos jogos deste género para movimentar os valores que se pretendem branquear.
São raras as ocasiões em que um jogador de MMORPG tem noção de com quem se comunica, pois, cidadãos de diferentes países participam nestes jogos online.
Ao servirem-se dos sistemas de moeda virtual destes jogos, os branqueadores podem fazer o dinheiro circular de um país para o outro, e então, o dinheiro virtual pode ser transformado em dinheiro real sem deixar rastos que permitam chegar ao branqueador.
É necessário realçar o facto de que os desenvolvedores dos jogos não estão associados à estas operações, trabalhando muitas vezes em conjunto com as autoridades para combater este fenómeno.
Os criminosos recorrem cada vez mais ao micro-branqueamento através de sites como o PayPal ou até mesmo de sites de ofertas de emprego, para evitarem a detecção da sua actividade. A prática tem-se popularizado de tal modo, que hoje encontram-se pela internet, diversos fóruns onde branqueadores discutem e trocam técnicas de branquear desta forma.
Estas técnicas, longe de serem as únicas, não constituem necessariamente acções isoladas, podendo num só acto reunir-se várias.
No entanto, o processo de identificação, estudo e compilação das técnicas utilizadas durante o processo de branqueamento - quer estas já tenham sido utilizadas, quer se tratem de hipóteses elaboradas pelas autoridades procurando prevenir e antecipar as acções dos agentes branqueadores - requer particular cautela por parte das mesmas, pois, este processo poderá conduzir a criação de um “manual de branqueamento” rico em detalhes que poderia ter o efeito adverso e servir de guia para os agentes branqueadores.
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