O FENÓMENO DO BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS














 Excerto do Livro "O SISTEMA ANGOLANO DE PREVENÇÃO DE BRANQUEAMENTO DE CAPITAIS"


O termo branqueamento de capitais, corresponde à terminologia legal corrente em Angola e em outros países, bem como nos instrumentos internacionais e resulta da expressão inglesa money-laundering. Esta designação terá sido inicialmente usada nos Estados Unidos da América, num sentido quase literal devido as estratégias das máfias americanas de empreender, nas décadas de 1920 e 1930, negócios lícitos, sobretudo redes de lavandaria, como forma de legitimação dos lucros provenientes de actividades criminosas. Porém, o termo branqueamento de capitais, é hoje entendido como a actividade pela qual se procura dissimular a origem criminosa de bens ou produtos, procurando dar-lhes uma aparência legal, desprendendo-se assim da actividade a qual estava originalmente vinculado, passando a englobar um conjunto maior de actividades.
É, ainda, necessário ter em conta de que outras expressões são utilizadas de forma recorrente pelos diversos autores que se debruçam sobre esta matéria, como «reciclagem» ou «lavagem de dinheiro».
A necessidade de branquear capitais surge quando não é possível justificar a sua proveniência porque deriva da execução de um empreendimento criminoso: se se reconhece a existência do dinheiro, reconhece-se de igual forma a existência do delito. Isto obriga aqueles que acumulam enormes quantidades de proventos de origem ilícita a encontrar vias que permitam introduzi-los no circuito financeiro de modo que possam reconhecer a sua existência -e decidir obter a sua rentabilidade- sem justificar a sua proveniência.

A globalização da economia mundial e os processos de integração dos mercados financeiros trouxeram como consequência um crescente fluxo comercial e financeiro. Isto permitiu o crescimento das empresas, mas também alimentou e impulsionou preponderantemente o desenvolvimento e a consolidação da criminalidade, ao ponto de se poder afirmar que a globalização da economia é proporcional à globalização da criminalidade, o que requer maiores regras e comportamentos coerentes.
A modernização do sistema financeiro e dos meios de pagamento colocou, nas instituições financeiras, múltiplas modalidades de pagamentos que, conferindo celeridade ao processo, possibilitam que se oculte o realizador da operação, sem prejuízo das normas que asseguram o sistema de transacções, produzindo detalhados e frequentes registos utilizados nestas operações em qualquer parte do mundo.

Fases do Branqueamento

Tem-se entendido que a execução do crime de branqueamento de capitais é trifásica, ideia que pretendemos seguir nesta exposição, admitindo, porém, que devido as características singulares do mercado financeiro apoiadas no rápido desenvolvimento tecnológico e na existência de uma “aldeia global financeira”, onde a automatização e a celeridade no desenvolvimento tecnológico permitem a ligação em tempo real do cliente com a instituição financeira, venham a alterar esta concepção. O cerco dos sistemas de prevenção e repressão exigem cada vez mais destreza e subtileza, o que torna claro que quanto mais rápida e discreta for a dissimulação menos perigosa é. Logo, torna-se cada vez menos defensável o processo trifásico da operação de branqueamento, podendo este, futuramente, vir a assumir uma estrutura completamente diferente.

Esta divisão trifásica foi introduzida pela primeira vez pela FinCEN (the financial crime enforcement network): colocação (placement stage), fragmentação ou dissimulação (layering stage) e a integração (integration stage).

 Vejamos:

a) Colocação (Placement stage)

Nesta fase, os agentes detentores de numerários em espécie, servem-se das instituições financeiras e comerciais para introduzir os respectivos montantes, geralmente divididos em pequenas parcelas, no circuito financeiro. A introdução de dinheiro em espécie é confundida com fundos lícitos e depositada nas instituições financeiras.
A colocação, enquanto estágio primário, é a mais vulnerável, por assim dizer, à detecção, desde que existam regras preventivas coesas e eficazes.


b) Dissimulação ou Fragmentação (Layering stage)

Aqui, o propósito é realizar as operações necessárias a ocultar a proveniência criminosa dos proventos, transferências, transacções, conversões e movimentações.
Quanto mais eficiente a dissimulação, maior o número de operações realizadas, afastando o mais possível os proventos da sua origem. Porque, quanto mais operações, mais difícil se torna a sua conexão com a ilegalidade e mais difícil a sua prova.
Esta fase visa apagar, cortar ou despistar o itinerário dos proventos, em atitude preventiva a uma futura e eventual investigação das autoridades competentes. Um exemplo disto seria a criação encadeada de sucursais, por norma em jurisdições diferentes, por onde se faria circular os capitais ilícitos.
A dissimulação ou layering pode operar de três formas: depósitos em contas de empresas fantasmas, transferências para entidades em offshore, investimentos nos distintos produtos e serviços financeiros e imobiliário.
Esta dissimulação envolve outros países, onde as regras sobre o sigilo bancário tornam difícil ou impossível seguir o rasto do dinheiro. Note-se ainda que, a solicitação de quebra de anonimato nas transacções bancárias encontra fortes oposições. Isto repercute-se directamente na dissimulação de fundos, a segunda fase do ciclo branqueador. Por isso é recorrente a utilização de dois métodos para despistar o rasto do dinheiro “sujo”: as transacções em dinheiro vivo e os bancos offshore.


c) Integração (Integration stage)

Na integração, o objectivo do branqueador é introduzir os capitais no circuito económico legal. Nesta fase, a aparência da fonte geradora dos proventos é o essencial a ser focada. Os branqueadores agora precisam de exibir os fundos e a sua respectiva proveniência legítima, como resultado da realidade criada a partir do projecto engenhoso, fundamentando o seu posterior desempenho.
A integração constitui, desta forma, o culminar de um empreendimento de autenticação e legitimação dos fundos, dando-lhe notoriedade e aparência legítima. Nesta fase a descoberta reveste-se de dificuldades acrescidas, tendo em conta as fases anteriores, daí que se faça necessário que o mecanismo de prevenção deva impedir que a primeira fase e a segunda fase ocorram.

Características Essenciais do Fenómeno

Os autores que se têm debruçado sobre o fenómeno do branqueamento de capitais procuram, na sua maioria, sistematizar as características do branqueamento de capitais tal como, actualmente, se apresenta e a forma de execução em:

  • Internacionalização da actividade de branqueamento
Há já algum tempo que este fenómeno ultrapassou as fronteiras de acção estritamente nacionais ou regionais. Nos nossos dias, o bran­queamento é uma actividade internacional e de tal modo que ninguém questiona esta característica, uma vez que os branqueadores se servem de técnicas que implicam a movimentação dos fundos de um país para o outro com o fim de dificultar a sua perseguição por parte das autoridades e facilitar o seu encobrimento.
Assim ocorre porque, por um lado, é sempre preferível efectuar ope­rações mais delicadas e vulneráveis do processo de reciclagem nos países que possuam uma legislação mais permissiva, ou os meios, à disposição das autoridades, se provam escassos ou pouco eficazes; por outro, a cooperação internacional em matéria de luta contra o branqueamento, apesar de crescente, continua, todavia, insuficiente.
  • Volume do fenómeno
A magnitude que o fenómeno alcançou, quantitativa e qualitativamente, é, hoje, incomensurável.
Com a variação das dimensões dos valores objecto de branqueamento, também as técnicas se alteram. O que, actualmente, se verifica são operações maciças que requerem uma organização profissional, uma estrutura, uma rede de assessores especializados, colaboradores e cúmplices nos mais variados momentos, uma teia internacional de empresas e entidades de diversos países, incluindo instituições financeiras próprias, as quais operam sob a aparência de legalidade ou cúmplices. Requerem, igualmente, toda uma organização complexa, ampla, sofisticada e dispendiosa, que permite realizar esta actividade em grande escala.
Este considerável volume de actividades também facilita a compra de cumplicidade ou passividade, que em determinada medida frustram os esforços de luta contra o fenómeno.
A afirmação acima referida é sustentada na actualidade com o desco­brimento de escândalos de corrupção e infiltração das organizações criminosas nos organismos cuja função é combater o branqueamento: órgãos de justiça e até mesmo organismos de administração central dos Estados.
No entanto, a grande dimensão que as operações de branqueamento, muitas vezes, tomam tornam-se, eventualmente, uma vulnerabilidade, pois é difícil ocultar de forma completa o rasto do dinheiro branqueado nestes moldes.
  • Profissionalização
O volume de transacções e a internacionalização não existem, obvia­mente, sem a intervenção de profissionais. As técnicas e os procedi­mentos utilizados são, por necessidade, sofisticados e especializados, sofrendo constantes mutações e evoluções, para que os branqueadores possam iludir as autoridades e escapar à acção dos Estados que os combatem. Isto exige que os branqueadores disponham de organiza­ções e meios com um alto nível profissional.
  • Diversidade de técnicas
Nos nossos dias, existem inúmeras técnicas de branqueamento e novas vão surgindo para se adaptarem aos quadros económicos em constante mutação e, também, para melhor despistarem as autori­dades que combatem este fenómeno. Verifica-se um maior recurso às tecnologias de informação, por parte dos branqueadores, fazendo com que o branqueamento de capitais se encontre, também hoje, nas dimensões do cibercrime, com esquemas de pagamento, jogos online, fóruns virtuais clandestinos específicos e muitas outras técnicas, levando a que o combate ao branqueamento seja uma tarefa especialmente árdua e exija das autoridades uma atitude de vigilância constante.

Finalmente, importa referir que o fenómeno do branqueamento de capitais tem sido facilitado por uma série de factores e tendências da economia mundial nos anos recentes, como a progressiva internacionalização do sistema financeiro; os processos de liberalização dos movimentos de capital; a aparição de novos produtos e instrumentos financeiros; a aparição e desenvolvimento de novas tecnologias; o desenvolvimento das telecomunicações; e a existência de paraísos fiscais. Contudo, não se trata aqui de um conjunto fechado de factores e tendências, mas sim daqueles que mais se têm destacado, particularmente desde os anos 80 do século passado.



Elaborado por: Dr. Elvis Barros



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